domingo, 25 de dezembro de 2011

a comédia trágica

sonhos de seda rasgados
corações violados
em cima do rosto lágrimas
caminhos de rosas secas
roupas manchadas de sangue
a violência da ardência da paixão desvairada
correndo nítida nos fluidos do meu ventre
para sempre: nua e só.
crua como a carne que sou forçada a engolir:

o amor do meu tempo é uma farsa teatral.
e eu sou comédia.

in.: os cadernos do facebook

sábado, 24 de dezembro de 2011

O FANTASMA

Sonho. E no sonho me despedaço.
Há abismos entre os espaços
E cascatas onde correm erros.
Desconexão divina nos meus astrais
Há mulheres em meus sexos
E oceanos onde vagam mágoas.
Pecados coroados em folhas de jornais.

Sonho. E no sonho não sou eu
Mas ele. O grande Outro meu.
Nas brenhas escuras do meu ser
Escondido de mim vil inimigo:
O fantasma de todas as minhas perdas
Assombrando meu sono agitado.
Sangro sonho adentro e ainda sigo.

Sonho. E no sonho me arrependo.
Há pesar quando relembro.
Olhos que me viravam as costas
Sentimento pouco se dissipando
Era gozo, era carne e lágrima.
Ode triste à efemeridade
E eu só que vou despertando.

in.: os cadernos p/ mim mesma

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Eu Sei dos Sonhos das Árvores

São casas onde pudessem erigir lares
Sem precisar deitar raízes
Nos quintais serenos rios correndo águas
Trazendo e levando histórias.
Eu sei dos sonhos das árvores:
São verdes como seus olhos
E trazem o eco dos antepassados.

in.: os cadernos p/ mim mesma

domingo, 18 de dezembro de 2011

PEQUENO MANIFESTO DE AMOR PÓS-MODERNO

VAMOS! NÃO! SEM TROVAS DE AMOR!
SEM DONZELAS DESPROTEGIDAS!
VAMOS! CHEGA! SEM ROMANCES!
ABOLIÇÃO DOS CASAMENTOS!
DESTITUIÇÃO DAS TRAGÉDIAS!
RIDICULARIZAÇÃO! VAMOS! NÃO!
SEM POEMAS ÁRCADES!
SEM ILUSÕES ROMÂNTICAS!
VAMOS MATAR AS MUSAS
E DEITAR CUPIDO NAS SEPULTURAS!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

CHEIRA A COR DE DESPEDIDA

O céu acinzenta-se
Vem chegando a chuva
Pintando meu horizonte
Solicitando minhas lágrimas
Perfumando minha tristeza.
Terra úmida. Verde abrindo bocas.
Vozes de lamentos
Nos salões dos céus.

Toda chuva é uma despedida.



in.: os cadernos p/ mim mesma

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

LIMA, Jorge de

A MULTIPLICAÇÃO DA CRIATURA

Parece, Senhor, que me desdobrei,
que me multipliquei,
que a chuva dos céus cai dentro de minhas mãos,
que os ruídos do mundo gemem nos meus ouvidos,
que batem trigo, chorando, sobre o meu tronco nu,
que cidades se incendeiam dentro de minhas órbitas.
Parece, Senhor, que as noites escurecem dentro de meu ser múltiplo,
que eu falo sem querer por todos os meus irmãos,
que eu ando cada vez mais em procura de Ti.
Parece, Senhor, que tu me alongaste os braços
à procura de abóbadas raras e iluminadas,
que me estiraste os pés repousantes no Limbo,
que os pássaros cansados em meus ombros repousam
sem saber que o espantalho é a Semelhança Tua.
Parece que em minhas veias
correm rios noturnos
em que barqueiros remam contra marés montantes.
Parece que em minha sombra
o sol desponta e se deita,
e minha sombra e meu ser
valem um minuto em Ti.


in.: A Túnica Inconsútil

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

sobre teresa, a treta

Mal tenho escrito, quanto mais cartas. Ando afogando-me no meu cotidiano sorrateiro: os dias passam ligeiro, dentre o trabalho, os estudos e os baseados. Agora sou aspirante a pedagoga. Sou desiludida do amor, sou solitária com leis morais próprias. Sou cristã e muçulmana, umbandista e daimista, hinduísta, hare krishna. Sou infantil e melancólica. Sou tia, professora, poetisa, escritora. Agora sou analisanda e saudosista, me lembro dos momentos felizes e tenho raiva pois sou mimada e quero aquilo de novo aqui e agora. Não cresço porque não quero? Não, não cresço pois não tem pra onde: esse mundo nunca me aconchega bem, é um mundo desconfortável e injusto, esse mundo nosso de carros financiados e impostos de renda, esse mundo dos desejos consumistas e dos amores-quo: ser como são os ricos, estar como estão os bem-sucedidos. Dinheiro e poder! O que é o amor diante disso? Mera fantasia romântica ultrapassada que fracassados vestem para ornamentar suas vidinhas insignificantes. Pois, ora, o mundo é para os fortes, os grandes investidores, o mundo é dos espertos, daqueles com contas bancárias sem limites. O mundo é esse dos casamentos comprados de 2 em 2 anos.

Então não cresço mais pois não caibo nesse mundo. Não, não dá. Vou ficar aqui na minha, pequenina e perdedora. Sem paroxismos: somente isso, essa massa pequenina e amorfa, feita de sentimentos, preenchida com emoções. Eu pequena que sofro de amor e odeio por egoísmo. Eu que erro. Eu que me engano e que me decepciono de quando em quando.

Sou eu agora. Eu solteira. Eu maconheira. Eu que durmo e durmo cada vez mais, pois sou eu: cansada. Estou envelhecendo cedo demais. Mesmo sem crescer: cá eu uma criança velha, brincando sozinha com minhas palavras, sonhando sozinha meus absurdos surreais: pirâmides na Amazônia, encontros com Jesus, a era de Aquário, répteis que rastejam, humanos que voam, lá Maomé entrando em transe, a grande constelação de Leo nos indicando direções, borboletas que me beijam, o bezerro de ouro sendo derretido diante de meus olhos, as repetidas mortes do meu ser, sim, eu sou antiga como as estrelas e você tem estado comigo desde tempos imemoriais, pois você tem a essência mesma no seu peito que pulsa como o meu.

Eu agora. A artista. A errada. A que chora. A que come. A que, ainda só, insiste em ser duas: a que busca no outro a correspondência do olhar, um olhar apenas, aquele olhar, o olhar que é meu e que eu sonho um dia poder ser seu. Esse olhar de Teresa que Deus me deu.


in.: cartas p/ amarante

out/2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

sobre o deus desalmado

Ouço a chuva tamborilar estrepidante no aço do meu carro. Vem do céu e não quer parar: é forte. Mas uma hora acaba, bem sei. Tudo que o bom Deus criou tem que se acabar, e nisso nos indagamos sobre a verdadeira bondade desse Deus: se dá por que tira? Que Deus desalmado!

Mas assim pensamos por causa da nossa pequenice absurda.

Se tivéssemos toda uma eternidade pela frente, talvez soubéssemos que Deus era mesmo desalmado, mas também soubéssemos que morrer era benção.

É fato que Deus nos deu a vida. E se isso não é benção, o que mais seria?

Mas quando ele a tira? Por que razão o faz?

A chuva tamborilando no ritmo do vento. Uma hora acaba e o sentido se finaliza.


in.: os cadernos p/ mim mesma

domingo, 6 de novembro de 2011

aleatórias


As alcovas não têm janelas
As pessoas se escondem nelas
Estão todas em si centradas
Mas de fora não sabem nada

Nas alcovas medram crianças
Que adultas não vêem nada.
Em seus egos, tão bem centradas!
Na rebarba, sua ignorância.

As alcovas são nossas casas
Nossos vários computadores
Nossas tocas imaculadas
Onde arquivamos nossas dores.

in.: os cadernos para mim mesma

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

PEQUENA ODE NAUFRAGADA

Não tenho medo, mas também não tenho coragem.

Cobarde! Fraca! Mas sem medo.

Por isso mesmo um tanto sem juízo

Mas oportunista.

Pois nada tão oportunista

Quanto alguém sem juízo.


Lá de fora correm carros

Engarrafados

E jogados ao mar, carros

Como bilhetes de náufragos

Sem saber aonde chegar

Mas com a expectativa de chegar

Marulhando na onda que leva

Como me leva, e eleva, leve eu

Que não temo em ter esperança:

Garrafas ao mar! Mãos ao volante!

Acende a vela do destino!

Ela lume vagamente

Bruxuleia com o tempo

Magicando encantamentos.


Olhei lá de fora e dessa vez o que vi

Foi uma flor morrendo.

Olhai aqui dentro: a flor é bela

Mesmo quando fenece: é bela.

Que belo então o morrer da esperança!

A flor verde dos amantes

Secando com o correr das lembranças!

Inda bela mesmo sob a débil

Melancolia do adeus:

Lá os bilhetes em garrafas jogados ao mar.

Aqui a espera demorada sem ter onde descansar.

Cobarde! Fraca! Sem coragem de acreditar!

Me vi náufraga naufragada

E ousei decidir ousar:

Não tenho medo

Pois nunca sei aonde vou chegar.


in.: os cadernos p/mim mesma

terça-feira, 25 de outubro de 2011

poema de mesa de bar

Peregrina de diálogos
Na beira das mesas
Eu, essa orbe de incertezas,
Realizo meus monólogos.
Não há mais filósofos
Nem poetas.
Quanto mais profetas!...
Só há peregrinos:
Incontáveis viajantes
Estrangeiros em si mesmos.
Eu? Não seriam eles?
Os ventos de ontem? Os meses?
As vezes em que me perdi.
Os risos que não soube rir.
Não há vida além da vida.
Todos vão e tudo oscila
Sem nunca realmente vir.


in.: os cadernos pra mim mesma

21-10-11

terça-feira, 18 de outubro de 2011

na cachoeira

O urbano invadiu o mato:
Pixaram as pedras da cachoeira.
E lá em cima do morro botaram fogo.
Ali do meu lado meninos de 12 anos fumam cigarro: não os conheço, mas sei que estão perdidos.
E eu sem rumo: escuto o barulho da cachoeira,
canções da natureza nas cigarras que acompanham o sussurrar das águas nas pedras.
Estou melancólica mas o dia está lindo:
ali nuvens cinzas anunciam novas tempestades,
acolá o sol esquenta as rochas onde pixaram sem piedade:


Quem fuma maconha também sou eu.
Quem pixa os muros e os sonhos também sou eu.
Quem escolhe dar os primeiros tragos também sou eu.
Quem taca fogo no mato também sou eu.

E o que é bom e o que é ruim: eu também.

in.: os cadernos p/ mim mesma
out/2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

sobre o meu tempo

Vejam: eles esperam a Hora do Apocalipse. Eles esperam e eles somos nós, homens da contemporaneidade digital, mergulhados na descrença alienante de nosso tempo.
Que tempo é esse?
Tempo onde o real se reduz cada vez mais, onde o virtual comanda e a vida se torna rarefeita. Tempo dos relacionamentos descartáveis, dos amores transgênicos, das paixões democráticas.
E como abomino a democracia, essa faca de dois gumes que nos lega o silêncio de todas as minorias, essa ditadura camuflada onde os generais são as corporações financeiras.
O tempo do meu Brasil de PCCs: Pestilentos Coronéis Corruptos que perpetuam o atraso de séculos de exploração. As incontáveis licitações superfaturadas. O crime consentido a mando da ganância.
Pecado! Pecado! O tempo das evangelizações vazias! O tempo das religiões corporativas! O tempo dos padres que fornicam!
Eis a minha geração que se apresenta nas minhas frases cheias de desesperança e agonizar.
Esperamos o Apocalipse, pois não há mais no que acreditar.
Esperamos o fim, espreitamos algum despertar.
No amanhã
Alguma luz
se descortinará...

in.: os cadernos p/ mim mesma
out/2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

sobre estar só

Nunca dantes tão só:
Me atravessa o frio da existência.
Tão minha, mas de tão múltiplas essências...
O gélido ardor da solidão...
Não só minha,
Mas de todos os antepassados.
Onde estão eles, dentro de suas mortes tão suas?
Onde residem eles em mim,
Dentro dessas minhas veias tão vivas?...
Mistério em cada porção de ar que respiro.
Inegável medo
Do coração que,
Involuntário,
Bate no peito.
Eu!
Respiro!
Eu!
Suspiro!
Eu!
Retiro inalcançável até para mim, que sinto
E cheiro e ouço e vibro
Tudo isso que sou quando existo.
E me firo. E vomito. Dou um grito
E peço água: estou só...
Será que existo?


in.: os cadernos p/ mim mesma

04-10-11

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

sobre existir

Eu flutuei uma vez.

Era lindo ver o mundo lá de cima. Tinha nuvens roçando o rosto. Tinha até gosto, algo doce crocante, quebrando e se dissipando dentro da boca: eu flutuava! Podia voar se quisesse! Uma só arte, aqueles ares. Senti que Deus era bom, no final das contas. Sim, ele era bom pois eu podia sentir aquilo tudo, eu era com ele e tudo que ele havia feito era no final realmente muito belo, fantástico, quando visto de cima. Como era bom flutuar! Eu sonhava? Mas como? Se vivi realmente tudo aquilo! Voei! Flutuei! Senti o gosto doce e harmônico das nuvens! Deus estava comigo! Ele existia! EU EXISTO!


in.: os cadernos para mim mesma

24-09-11

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A POR VENTURA MAL-FADADA HORA

A por ventura mal-fadada hora

Do Armagedom.

O sorriso da morte

No fim da última prece.

A estrada do nada

Em direção à sabedoria inesperada.

Veja: a luz cega, a poeira dói nos olhos.


Mas estamos todos aqui.

Viemos ver a por ventura

Venturosa mal-fadada hora

Do Armagedom.

Viemos porque assim quisemos.

E estamos aqui.

Iluminados de fim.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

poema de bar

Onde meus sonhos se realizam:
Na mesa de bar.
Não essa mesa que a palavra espreita
Mas esta mesa onde os versos deitam
E a cerveja faz suar o plástico
E os isqueiros fazem-se enfeites
Para a noite crua.
A rua. O bar sobre a mesa
Na rima que o poema espreita,
No fim que se quer poesia.



in.: os cadernos p/mim mesma

terça-feira, 20 de setembro de 2011

aleatórias

Maceió, setembro de 2011.

Aqui embaixo morava o rei da Escócia. O Hugo costumava fumar um com ele, escutando Geraldo Azevedo. É de se espantar que o rei da Escócia tenha um gosto musical tão alternativo.

in.: os cadernos de viagens, maceió
06-09-11

sábado, 10 de setembro de 2011

o mar em mim

Ah, a brisa se entorna em mim!
Como o sol e a sombra!
Bebo a cerveja!
Nuvens se locomovendo
No céu que desenho no meu pensamento
E no céu que azula além de mim
Assim a maré dos momentos
Vem, onda a onda
Cantar a minha vida mais íntima
Senda inesperada da rima
Onde o sentimento ronda.

in.: os cadernos de viagens - maceió

terça-feira, 30 de agosto de 2011

MADRIGAL AOS SANTOS NOMES

Ontem à noite fui à Cruz tocar violão. Na encruzilhada pedi Exu que levasse mensagem a Oxalá. Eu cantava no improviso deixando a palavra ritmar por conta própria: senti a presença da força invisível pulsando em minha voz. Foi quando Ogum veio me dar força e coragem para continuar humildemente pedindo a Deus para que me guiasse à senda reta, o caminho dos justos, longe do ódio e próximo do amor. Oxum também apareceu se lembrando de quando ofereci meus cabelos ao rio pedindo que todo rancor fosse embora. Bela e amarela a mulher das águas levou minhas palavras a Iemanjá: minha oração caiu no mar e eu cantava sem cessar deixando as rimas do acaso soarem ao sabor das entidades. Lindo foi perceber que aquela canção única era endereçada aos céus e ecoaria incessantemente em direção às estrelas. Meus cabelos se dispersaram na imensidão do mar e eu me juntei a todos os santos louvando a unicidade sagrada de Deus, presente em cada coração que pulsa: melodia e ritmo, na harmonia da vida.


in.: os cadernos p/ mim mesma, 04-08-11

sábado, 27 de agosto de 2011

a varanda de mariana

Na varanda da Mariana, entre as plantas, ouvindo os carros zunirem no minhocão lá embaixo. Bichos de metal caçando suas presas na selva de concreto. Eu bicho de carne abraçando o verde que me acalma e acolhe. Cheirinho de arruda e cânfora e a manhã se abrindo. O que o destino nos revela é insondável labirinto!

E lá vamos nós outra vez...

Quero sampar agora...

(...)

Pequena volta no centro para esprairar as idéias. Volto para a alameda Glete seguindo o minhocão e subo ao nono andar pra tomar coca-cola na varanda. Lá em cima a São João encontra a Ipiranga mas é aqui dentro que algo no meu coração acontece.

in.: os cadernos de sampa, 15-08-11

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

no butantã

Hoje na terra da garoa

O tempo voa

De soslaio na janela

Céu cinzento que escurece noite:

Escuro gris melancólico

Na boemia paulistana:

Nossa política é triste,

Esperança descolorida.

Bebemos a nossa sina,

Brindamos sonhando a vida.


in.: os cadernos de sampa

14-08-11

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

revisitando velhas melodias

CANÇÃO NO AR

Cê me olha assim como se não quisesse nada de mim.

E eu olho sem ver como se não quisesse enxergar você.

Ce não vai saber. Não vai saber.

Eu não vou saber. Não vou saber.


Eu não quero dizer: eu amo...

Eu não quero saber se eu amo...

Mas um dia você irá relembrar um olhar.


E eu imagino a lua surgindo

A noite vindo...

Finda a nossa estória,

A minha memória

É uma canção no ar...

Cê não vai dizer. Não vai dizer.

Eu não vou dizer. Não vou dizer.

(...)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

RITMO DE AMOR TROTANTE

Sonoro peito meu. Coração que bate. É ela na meia-calça. Preta. Cor que desfaz meu ritmo. Sinto um arrepio, não preciso de mais nenhuma. Passo a mão em sua nuca, ela passa a mão na minha. Beijo que te quero lento, torna-te voraz mordida!

E depois ela vai embora, e eu retorno à vida. Longe dela há tantas outras, não lastimo a partida! Mas, se ela volta e vem, traz no reencontro um tão grande bem dentro do meu coração! Por que eu diria não, quando ela quer ser minha: todo dia, todo dia! Nossos momentos a sós! Olhos lindos, olhos raros, quero os meus olhos em vós!


IN.: cartas p/ amarante, jun/2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

PAZ E AMOR

nova canção que surge...

NA PAZ E NO AMOR

Lá o céu dourado
Está mostrando um caminho prra você trilhar
Ouro lapidado
Vem da madeira que você vai imaginar
Arregace as mangas
Pois o seu rio também vai cair no mar
Deixe a esperança
Soar no peito que você irá cantar:

Peço paz pra você e o amor vai viver em mim.
E se o amor doer, vou lutar pra vencer
E perseverar no que é bom pra mim.
E perseverar no que é bom pra nós.

Não vá destruir o amor!
A paz dilacera o rancor.

(continua...)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

aleatórias

Coca adoça a boca.

Coca.

Opa.

Na casa dos meninos Mauro e Rodrigo.

Estou sob o efeito do álcool – Heineken e Boazinha – e da gandja – marafa boa da granja. Estou ouvindo os carros e os Caetanos. Os maracás importados da China e a África baiana. Estou em Brasília e estou cansada também de viver aqui na terra.

Por isso vou tentar atravessar a Lua pra ouvir a luz fraca do lado de lá: o Caetano vai embora e nas dunas e crateras cenozóicas há bandeiras brancas enfiadas em pau forte.

Mas diga-me, triste Brasília? Que vapor de cachoeira é esse do mar? E a Bahia? A estrela do norte não pode ser do sul?

O quão dessemelhante!

Triste?

...



in.:cartas p/ o fotógrafo, março/2010


sábado, 23 de julho de 2011

o painel

Cara, não que eu queira sofrer, mas eu quero muito criar, e o que mais crio na vida é sofrimento. Um cadim em dezembro, mais um tanto em janeiro, outro estrondoso ranger de dentes em fevereiro e ossos quebrados em março e nessas de colecionar dores vou atravancando na estante da memória pilhas e pilhas de troféus que não servem para nada além de ocupar espaço.


in.: os cadernos p/ mim mesma, maio de 2005

segunda-feira, 18 de julho de 2011

não há escapatória II

Tomo um mate argentino. Penso no inevitável. Meus pensamentos cada vez mais solitários: encaro a realidade com ares ansiosos. Não devia ser assim. Reflexo dos sonhos frenéticos? Talvez. Mas e esses sonhos, são reflexos de que? A resposta é óbvia, não arrisco colocar no papel. Apenas espero. Sufoco os sonhos. Esqueço o futuro e tomo o mate.

Não há escapatória. Atravesso a vida e sustento minha emoção exagerada. Não havia meninas no sonho. Havia eu e eu e eu e eu... Somente.


in.: os cadernos da argentina

domingo, 17 de julho de 2011

O ENIGMA DE SONHOS CRIPTOGRÁFICOS

O ENIGMA DE SONHOS CRIPTOGRÁFICOS

(...)

Os dias. As noites. As férias. Os sonhos. Sim, eu chegava atrasada ao trabalho. Mas parecia que ninguém se importava. O sonho, os sonhos, sim, tomam forma. Rememória. O ano está acabando. Meus sonhos são tantos. Confusão, confusão. Gosto disso: deixar ser, já que não há outra opção. Vivo como mandam os momentos. Esses escritos às vezes não fazem sentido algum. Escrevo, escrevo, e tudo que quero dizer é que não escrevo o que quer ser escrito, não porque eu não queira, mas simplesmente porque não consigo saber exatamente o que quer ser escrito.

Estou estranhando meus cadernos de viagens. Talvez porque, pela primeira vez, novamente, uma moça me vem fazer companhia nesses meus dias tão viajantes. O que quero escrever não é passível de ser escrito.

O que quero escrever só pode ser vivido em silêncio, no segredo do coração.


in.: os cadernos da argentina, buenos aires

quarta-feira, 6 de julho de 2011

a rave

Os graves eletrônicos ribombando cerrado afora. O dia amanhecido entre os meus dedos. Só isso importa. Esse agora em que escrevo, momento imenso em que me derreto.

Vaga-lume cortando o céu azulado do começo do dia. Na tenda trançada no seio da terra a festa intermitente trance a soar nos meus ouvidos que chamam por mais efeitos sonoros que vêm como vão as pegadas do dj na pista que toda dança como todos que aqui enlouquecem.


in.: cartas p/ felipe

sábado, 2 de julho de 2011

minha pequenez humana

Sinto-me tão pequena. Por que será que tudo é tão grande? Às vezes é assustador: como a morte que vem do alto, meteoro do tamanho da Lua. Ou de baixo, lava que derrete tudo. E então tenho tanto medo... Rezo baixinho, tremendo de desespero. Fico pensando se Deus vai me ouvir, imagino que se ouvisse talvez não precisasse me dar, vendo em mim o ódio que se esconde escorrendo e contaminando o mundo. Contando em meus cabelos meus pecados. Apontando os meus erros no espelho.

Mas isso tudo sou eu que fico pensando, pois deus só quer e age através de mim. E eu só existo através dele.


in.: cartas p/ amarante

domingo, 26 de junho de 2011

sábado, 25 de junho de 2011

no conic

"(...)Cá estou eu nos porões das baladas candangas. A banda era brasiliense e tinha um gaúcho flautista de convidado. Que honra eu, entre mineiros e goianos e baianos nessa Brasília mixta com vitamina de abacate e cupcake cor-de-rosa.
(...)
Vodka, eu acho.
a vodka, eu acho.
deve ser.
by Rodrigo

in.: os cadernos p/ mim mesma
maio/10

terça-feira, 21 de junho de 2011

o tom meu

"(...)Eu temo a morte, mas não é a vida o desafio maior? A todo momento aprendo a conviver comigo mesma, convoco-me a desafiar minhas limitações. Sofro, mas também me regozijo, pois viver é uma aventura digna de ser atravessada. Cada um descobre o seu próprio tom, atravessado pela sutileza de um destino inapreensível, porém sentido no seu mistério imenso: vida que te quero vida, por favor, não me maltrate muito, mas, se for pra ser assim, faça com que eu tenha condições de fazer meus próprios curativos."

AMARANTE : "e haja bund-aid!"

in.: os cadernos de viagens
buenos aires, 2011

terça-feira, 14 de junho de 2011

mar metálico

A vida. Gaivotas e lobos marinhos. O porto infectado de resquícios plásticos. Navios enferrujados encalhados no mar. E os turistas com suas fotografias digitais.
A humanidade ao redor da costa denunciando a sua flora metálica. Mar del Plata ergue-se diante de meus olhos, arranhando o céu cinzento.
Enquanto isso, os lobos marinhos esticam-se no seu leito de areia suja. Nós observamos, turistas que somos, e a tarde escoa rápida por entre meus pensamentos.

in.: os cadernos de viagens
mar del plata, 2011

sábado, 11 de junho de 2011

CONFESSIONÁRIO DO ASSASSINO DE PROSTITUTAS SEM NOME

Meu coração se infla: rancor e ódio. Espécie de sentimento sem volta. Uma vez que se vive essa sensação, impossível apagar. Há uma imagem, uma mulher fantasmagórica cruel e imatura. Uma puta na cama, do jeito que querem os maus. E há rancor e ódio. Vontade de morte e orações de vingança. Veja: há os santos maus e na madrugada me cutucam com a insônia para que meus sentimentos torpes ecoem nos sonhos de todos. E então meu dedo puxa gatilhos repetitivamente, eu esmurro rostos, chuto pernas e cabeças que se misturam com a imagem dela, prostituta sem nome que eu levei pra minha cama várias vezes, vil e ordinário que sou, são justamente essas que procuro e essas que quero matar. E na minha oração inspirada pelos santos maus peço pestes e maldigo a existência, e da minha boca saem as verdades que machucam meu coração que se infla ainda mais de amor e ódio. E eu peço que todas as putas do mundo morram para que eu, ser ínfimo e desprezível, não corra o risco de cruzar com mais uma delas, comê-la repetidas vezes e matá-la cruelmente logo em seguida.


(...)


In.: Conto sem Conta

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O DESESPERO DA TÍSICA METAFÓRICA

Hoje meus olhos têm a cor do desencanto e minha vida tem a tristeza das tragédias. Encontro-me na masmorra de mim mesma. Tenho os pés atados a grilhões que me prendem nos subterrâneos úmidos de meu ser. Se vem a tosse, vem o sangue: ele se derrama pela minha boca que vocifera gritos de socorro que não serão ouvidos por ninguém.

Mais tosse. Mais sangue. Mais lágrimas de desencanto. Perdi meu reino sagrado, minha fortaleza ruiu. Tudo à custa do meu próprio pendor para o fracasso.

A humilhação me fez prisioneira e eu me arrependi de ter existido. Mas não culpei as pernas de minha mãe por terem se aberto. Culpei a mim mesma, por ter respirado.

Então hoje olho ao redor e tudo se tornou nada e eu pensei que só assim eu sobreviveria: tornando-me também nada.

Mas eu estava enganada.

Foi assim que morri.


in.: conto sem conta

cartas p/ felipe, fev/2011

sexta-feira, 20 de maio de 2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

eu que me amo assim só

Ah! Amigo! Que os dias venham e a solidão não deixe que eu me abandone à tristeza profunda de não ter alguém para amar! A solidão deve ser meu norte, não posso lutar contra esse fluxo que me leva! Cá eu outra vez recorrendo às linhas para expressar meu eu solitário nessa sala onde trabalho, papéis sobre a mesa, sonhos despedaçados dentro da cabeça, a vida crua, assalariada, os medos sendo justificados a todo momento, ah! A solidão na minha escrita, no meu cotidiano, nos beijos meus que não existem, nas flores que não enviei, ah, a solidão dos meus segredos não revelados nem a mim mesma, a solidão de meu corpo desértico, devastado pela falta, ah, a minha solidão cheia de orações desesperadas, a solidão de minha morte, a solidão de minha juventude, a solidão, minha, minha, e só

minha.


in.: cartas p/ hugh link, 09-02-11

sábado, 14 de maio de 2011

cortantes

Onde os seres se perdem?
No interlúdio, entre a dor e o egoísmo.
Nos subterfúgios de nossos cinismos.
Onde os indivíduos se sujam?
Onde a maldade surge
E a covardia assola.
Onde os eus se degolam?
Dentro da imundícia
Da poesia insone, mal-fadada,
E bem quista por isso mesmo.
Poesia minha em que me mato.

in.: os cadernos para mim mesma, 14-05-11

quinta-feira, 5 de maio de 2011

sobre o perdão

" 'Servo mau, perdoei toda a tua dívida, porque mo tinhas suplicado. Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro, como eu mesmo me compadecera de ti?' E, cheio de cólera, seu senhor o entregou aos verdugos, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos tratará meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão do fundo do coração."

in.: Evangelho segundo São Mateus, cap. 18, vers. 32-35

segunda-feira, 2 de maio de 2011

sábado, 30 de abril de 2011

THE MUMFORD AND SONS

Taí uma bandinha boa

"How can you say that your truth is better than ours?
Shoulder to shoulder, now brother, we carry no arms
The blind man sleeps in the doorway, his home
If only I had an enemy bigger than my apathy I could have won

But I gave you all..."


in.: I gave you all



segunda-feira, 25 de abril de 2011

amizade > amor

Estou feliz, tão feliz pois te conheci, amiga.

Veja: minhas lágrimas são por mim mesma. Não por ela, que se foi. É por ela que fica em mim, e que eu terei para sempre como conviva nos salões de minha memória. Um fantasma de um amor que não deu certo.

Não é essa a presença que te quero aqui. Eis-te amiga nas minhas lembranças, a memória de um amor que deu certo; amiga minha, o amor é um dom que se aprende tão devagar... Eu não sou boa nisso, mas estou tentando.


in.: cartas p/ adriana

sexta-feira, 22 de abril de 2011

a epopéia da amizade

Estou aqui. Você ali.

As alegrias. Os sorrisos.

O Hugo fala e fala

Seus papos interessantes

O Mauro e sua figura underground salvation

Você Rodrigo e seu cigarro

Quero vocês

Quero-los lindos amigos na memória

Mesmo velhos e chatos

Como o Caetano Veloso.


in.: cartas p/ o fotógrafo

31-07-10

terça-feira, 19 de abril de 2011

a trágédia da paixão

Que é esse viver? Devemos mesmo fazer de nossos corações fortalezas? Não seria melhor construir palácios que abrissem portas?

No meu sonho os inimigos entravam para jantar pois assim o queria a fortuna.

E abriríamos vinhos e chamaríamos as danças e bateríamos palmas antes que viessem nos chamar dizendo que o palácio estava em chamas.

E nós sentaríamos e comeríamos uvas calmamente enquanto o fogo avançaria engolindo nossas carnes.

Seria assim?


in.: cartas secretas p/ d., 14-03-11

domingo, 17 de abril de 2011

A PESTE



i would be hers
if she wanted

quinta-feira, 14 de abril de 2011

WILDE, Oscar

“He thrust her back. ‘Don’t touch me!’ he cried.

(…)

A fit of passionate sobbing choked her. She crouched on the floor like a wounded thing, and Dorian Gray, with his beautiful eyes, looked down at her. And his chiselled lips curled in exquisite disdain. There is always something ridiculous about the passions of people whom one has ceased to love.”

In.: The Picture of Dorian Gray

terça-feira, 12 de abril de 2011

identidades múltiplas

Mas olha: aqui o tempo meu passando. Eu o tenho a escorregar pelos meus dedos.

Hoje não trabalho. Olhos vermelhos, músicas islâmicas ressoando em meu querido quarto esfumaçado. Às minhas costas Shiva lindo e azul me direcionando o som do ohm. Peço paz e a recebo quando chamo o amigo vento para adentrar o meu recanto sagrado. A solidão é minha e eu a enfeito toda bela para mim mesma.

Te envio singelas gotas de serenidade pelas fibras do papel. Beijos, amigo.



in.: cartas p/ mauro

domingo, 10 de abril de 2011

LONGE

Onde é que eu fui parar?
Aonde é esse aqui?
Não dá mais pra voltar
Por que eu fiquei tão longe?
Longe...

Onde é esse lugar?
Aonde está você?
Não pega celular
E a terra está tão longe
Longe...

Não passa um carro sequer
Todo comércio fechou
Não tem satélite algum transmitindo
notícias de onde eu estou

Nenhum email chegou
Nem o correio virá
E eu entre quatro paredes sem porta
ou janela pro tempo passar

Dizem que a vida é assim
Cinco sentidos em mim
Dentro de um corpo fechado
no vácuo de um quarto no espaço sem fim

Aonde está você?
Por que é que você foi?
Não quero te esquecer
Mas já fiquei tão longe
Longe...

Não dá mais pra voltar
E eu nem me despedi
Onde é que eu vim parar?
Por que eu fiquei tão longe?
Longe, longe, longe, longe
Longe, longe, longe


Arnaldo Antunes, Marcelo Jeneci, Betão Aguiar

...

domingo, 3 de abril de 2011

CAYMMI, Dorival

Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer

Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer

...

quinta-feira, 3 de março de 2011

Marília de Dirceu - Terceira Parte

...o claustro e o exílio...


LIRA II




Em vão do amado

Filho que foge,

Vênus quer hoje

Notícias ter.


Sagaz e astuto

Ele se esconde

Em parte aonde

Ninguém o vê.


Dos sinais dados

Bem se conhece

Que ele aborrece

A Mãe que tem.


Se os seus defeitos

Ela publica

Razão lhe fica

De se ofender


Foge o Menino

E, disfarçado,

Vive abrigado

Numa cruel.


Com mil carícias

A ímpia o trata;

Nem o desata

Do peito seu.


Se a semelhança

Sempre amor gera,

Deve uma fera

Outra escolher.


Ah, se o teu nome,

Marília, calo,

Que de ti falo

Bem podes crer.


Tomás A. Gonzaga, in.: Marília de Dirceu

terça-feira, 1 de março de 2011

Quando os sinos não dobram


São tantos significados

A se dessignificar dentro de mim.

As angústias ontem eu quis beber

Mas só hoje acordei

Pois era doce o soar do desengano.

Gritos ecoavam nos meus salões vazios

Eu era o horror ante o horror de si mesmo.

E tudo chorou dentro de mim.

E assim eu hoje acordei atravessando

O reverso de toda a dor que quero esquecer

Mas, se a esqueço, como fazê-la verso?

Ei-la dor diante de mim.

Mas ainda assim, doce.

Doce dor a dar-me o mistério,

Aquele que se incompleta a cada

Instante indelével em que sou

Gente.





in.: os cadernos p/ mim mesma, 26-02-11

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

aleatórias

A tarde se estica em seu auge ensolarado. Eu mais uma vez refém de meus hábitos: abraço o parque da cidade em minha bicicleta nova: ela não funciona direito mas mesmo assim eu consigo me divertir.

Muita coisa importante ta acontecendo na minha vida. Não há literatura que güente tanta pancada.

Por que diabos aboliram o trema?

Robustez eu não

Tenho. Se tive, o

Cigarro apagou para

Acender a tosse.

Eu sei, eu sei. As pessoas se viciam. Mas eu não tenho medo: a escolha virá linda e dolorosa me fazer decidir.

Sempre é assim: uma opção também denota um abandono.

(...)

Dizem que eu sempre fui melancólica.

Dizem certo, mas se esquecem de dizer

Que eu sou muitas.



in.: os cadernos p/ mim mesma

05-12-10

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

No parque sob o sol

Sobre o tempo e pensando sobre o amor de Lord Henry

As curvas do tempo são surpreendentes. Eis a criança querendo adultecer sem conseguir se expressar. A menina me olha em silêncio, esconde seus pensamentos, torna-se secreta pra mim. Eu a olho e a medida em que os dias passam ela se torna mais e mais desconhecida, ainda criança em minhas memórias, de carnes tenras e olhos puros, mas terrivelmente modificada pela distância crescente que nos separa. A criança adultece sem precisar de mim. Sou um mero brinquedo se tornando aos poucos uma lembrança tênue, quase transparente. Eu fui embora mas ela ficou em mim.


in.: os cadernos para mim mesma, 16-02-11



"My dear boy, people who only love once in their lives are really shallow people. What they call their loyalty, and their fidelity, I call either the lethargy of custom or the lack of imagination."

Lord Henry in The Picture of Dorian Gray




sábado, 19 de fevereiro de 2011

A MEMÓRIA DO TAMBOR DO CORAÇÃO

Ao longe as percussões do parque da

Cidade

Cidade que me leva ao léu do leme da

Vida

Vida que é sofrida e repetida em cada

Compasso

Passo que eu dou em direção às minhas

Mortes

Mortes que são nada além de partes de

Uma história

Esta que é contada e que reside

Na Memória.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Desfrut Bar

Reencontro com meu amigo.
E meus amigos.
Minhas cervejas.
Meus baseados.
Que são esses momentos? A minha bike encostada ali, os nossos pensamentos se trançando, as ideias simples transbordando pela mesa.
Amenidades.
Eu sei, chegamos no momento iminente: é agora ou nunca. Bebo água. Bebo lágrimas. Degluto sorrisos. (...)
Estou ébria porque quero.
Mergulho porque pulo
E pulo porque minhas pernas
se enchem de tensão
para que a mudança venha.

in.: os cadernos para mim mesma, 13-02-11


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

escreviver

Avoluma-se meu isolamento subjetivo: estou palavra. A síntese do real – que refresca a nuca com vento frio e enche a boca com o gosto do cigarro – se quebra quando é escrita: dita, dilui-se como o sal na água. Não há uma só verdade que perdura: tudo se torna vago e trêmulo como uma tv mal sintonizada.

Eis que eu tento apreender esse real: há pássaros gritantes, uma mangueira acolhedora, passantes com suas bolsas. Veja: as pequenas sementes da grama balançam levemente pra cá e pra lá, espetadas no carpete verde que me rodeia. Guapuruvus agigantam-se mais adiante. São meus pois eu os escrevo, eis minha porção mais egoísta.

Mas onde está a poesia. Sempre a procurei, por muitas vezes passei meses pensando ter a encontrado. No entanto, que estrago: tudo o que escrevo são cartas, pois esse egoísmo tão nato não quer se fazer tão possessivo: busca amenização nos olhares alheios: cartas pra que as quero. Não há outro meio: sempre que escrevo, relembro de ti ou dela, dele, as pessoas que me sabem humana e me conhecem na minha porção mais real: aquela de fora de mim, com cabelos que embranquecem e unhas mal cuidadas, sardas espalhadas e gargalhada esparramada. Quando o remetente se delineia eu me consigo fazer presença real. A poesia mistura tudo, falseia a experiência imediata: essa que me corre nas veias. Eu quero que a frase seja dita sem precisar rimar com nada: tudo o que existe em mim é suposição quando eu coloco na boca: as palavras são tudo o que tenho, mas nunca saberão expressar o que sou.

Então quero me descobrir aqui. Mesmo que eu duvide de tudo, as metáforas são os instrumentos mais propícios para a expressão de mim mesma, essa explosão de significados que afoga qualquer tentativa de contenção: de repente tenho frases saindo da boca e adentrando o papel. De repente quero dizer que hoje eu não fui trabalhar pois tudo se perdeu: eu precisava andar de bicicleta e pensar na vida. Estou feliz, mas estou triste. A ansiedade é algo que me salta nos atos: meus dedos se contorcem, minha perna tremilica, meu nariz coça. Como é imenso ser humana: a gente expressa essa angústia no próprio corpo.

E, no entanto, oh não, onde eu comecei, onde vim parar, onde, onde...

Estou sob a mangueira de bicicleta e uma chuva vem aí. Vou saindo dessa e entrando em outra.



in.: cartas p/ o fotógrafo, dez/2010

domingo, 13 de fevereiro de 2011

o surto

01-02-11

Num banco sob a sombra agradável, 312SUL

Antes de mais nada adianto- me: a loucura – nua e crua

- não é nada agradável.

Ela grita, sapateia, inventa, devaneia, contradiz, recontradiz e continua.

- nua e crua

- como um assassinato.

Nessa noite eu atravessei a barreira do insondável ouvindo meu grande amigo em seu devaneio psicótico.

Ele surtou. Meu Deus. Ele surtou.

Oi!

Ou foi eu?

Foi?

No final das contas, como meu amigo, eu resumiria toda minha angústia em pequenas frases com o meu sentido mais íntimo.

A culpa não foi nossa.

A culpa é dos livros. A culpa é do Zizeck e sua visão em paralaxe. A culpa. Culpa.

Onde foi que eu me perdi?

Na noite anterior olhos lacrimejando desreconheci meu amigo, olhei-o nos olhos sem o ver, ele com seu orgulho intocável, sua estatura acadêmica e esquizofrênica bem mais imponente que a minha, ele que é um dos caras mais inteligentes, seguro de si – e portanto às vezes orgulhoso em demasia, ele, quem? Olhei-o nos olhos e continuei a procurá-lo a noite inteira, sem conseguir, até que me rendi a ouvir seus disparates, estirada na cama com os olhos vermelhos de sono, exercitando minha paciência, deixando que seus discursos repetitivos ecoassem sórdidos na minha cabeça, assim loucamente até que me cansei, levei o colchão para o banheiro e lá me deitei, assombrada pela transformação do sujeito em mero discurso insandecido, a descida do consciente ao inominável, os solavancos de um eu despedaçado ante o desaparecimento da censura. Ele me gritava impropérios e eu os escutava como se não viessem dele, como se viessem de um mundo paralelo para além de meu amigo que, surtado, desfilava um sintoma seguramente enlouquecedor diante de mim.

E que fique claro, agora: para ele, a culpa era da televisão, que servia de palco horripilante para toda a carnificina da modernidade, essa loucura cruel que as gerações vindouras herdarão: a que gera moral a partir do mercado.

Portanto: a culpa é dos livros ou da televisão?

Independentemente de tudo, percebo: a culpa era nossa.



in.: os cadernos para mim mesma, 01-02-11