quinta-feira, 31 de julho de 2008

cadernos de viagem ... mais minas

arraial da lapinha, município de santana do riacho, MG - 9 de julho

Encontramos o Aristide dentro do caroneiro. Ele é filho da Dona Lina e nos ofereceu o pouso por 10 reais a cabeça. Foi muito prestativo e nos deu as indicações para a trilha que vai para o pico do breu (pico da lapinha, ou falso pico do breu). Serão cerca de duas horas de caminhada morro acima. De lá, contaremos um pouco com o acaso. Não conseguimos marcar os pontos no GPS, mas temos indicações de pontos anotados num papel, além do mapa e das indicações de Aristide, e outras informações que colhemos na internet. Eia

(...)

Confundimo-nos, nos perdemos e passamos por caminhos íngremes. Atravessamos um trecho da Serra do Espinhaço por dentro da vegetação seca da montanha e vimos paisagens que talvez jamais veremos de novo. Digo isso porque, mesmo se eu voltar a fazer essa travessia insana não passarei pelos mesmo caminhos que escolhemos dessa vez, nem a pau. (...) Um dia inteiro de caminhada com mochilas pesando cerda de 15 quilos nas costas subindo e descendo morros de pedregulhos imensos sem ter guia e seguindo a direção da intuição com as poucas informações que tínhamos. Saímos por volta das 9 e 45 da manhã e conseguimos avistar a casa de Dona Ana já davam mais de 6 da tarde. Perdidos, íamos acampar numa casa em construção que avistamos de longe, mas por sorte encontramos um pedreiro que finalmente nos deu a localização exata da casa de Dona Ana. Quando, por fim, já escurecendo, ouvimos no meio do nada o barulho de cães ladrando, eu sabia que havíamos chegado. Foi o melhor latido de cães que já escutei em toda a minha vida. (...) Vou apagar a lanterna e cair no sono. Tenho certeza que vou apagar que nem bebê. Dormir profundamenteeeeew.................

(...)
algum ponto entre santana do riacho e conceição do mato dentro, MG -10 de julho

Não. Não dormi que nem bebê e nem profundamente. A barraca, montada já no escuro do início da noite, estava meio que desnivelada. Meu isolante térmico não amenizou os desníveis. Meu corpo dolorido no duro chão de grama da terra que pisei e que piso e que, mesmo seca no árido da montanha e no alto do inverno, faz brotar a vida nos mais remotos pedaços de chão. Embora a noite tenha sido longa e a manhã se mostre cinzenta e fria, o sabor do café de Dona Ana, a companhia dos meus meninos e as lembranças da primeira parte da travessia iluminam meu despertar.

Meu corpo dói e sou feliz.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

cadernos de viagem ...

26 de julho ... Belo Horizonte, São Lucas

E é um entardecer cor-de-rosa no dia do aniversário de minha mãe. Pipas azuis e helicópteros descoloridos cruzando o céu. Quanto mais me permito, mais perco o medo. Os contornos do meu auto-retrato vão ficando mais nítidos à medida em que percorro os pedregulhos das montanhas, que conheço e desbravo os novos amigos, à medida em que sonho com os artesanatos e as pautas musicais, à medida em que desvelo o corpo das mulheres e suas almas que vacilam como a minha. E agora conto uma, duas, três, quatro pipas no entardecer cor-de rosa do aniversário de minha mãe. (...) É Belo Horizonte e seus morros e prédios e lembranças. Há uma pipa vermelha e meu coração imita a cor da paixão despreocupada.

sábado, 19 de julho de 2008

o sonho persegue seu fim

(...) Não digo que a solidão não me é mais mistério: ela ainda por vezes dói, e é sufocante, ultrajante até. Hoje pela manhã senti a solidão do meu corpo. Meu corpo só inundando a solidão da alma. Dói ser jovem e ter o corpo só. Dói mais que solidão de alma, embora as duas coisas se confundam.
(...)
Já em BH, sozinha no quarto de Felipe, choro algumas lágrimas pela solidão do corpo do agora e na lembrança incômoda dos erros do passado. O espelho horroroso e sua verdade que acusa as bizarrices que escancaram: o mundo e os papéis desfilando, heróis heterossexuais com bodas de ouro e vilões descaradamente aviadados dando as bundas nos bares. A que mundo você pertence, imagem no espelho? Que universo é esse onde te deitas nua e assustadoramente atraente? Por que me fizestes assim, imagem no espelho? Que mistério é este que carregas com tanto medo?
(...)
Vi meu corpo se deitando em sonhos e havia um corpo de mulher a mais na cama estreita. Observei-a e era linda demais para que eu me deitasse sem o beijo de boa noite no rosto quente. Vi meu corpo se deitando em sonhos e havia dois corpos de mulher encaixados na cama estreita.
Adormeci sorrindo logo em seguida.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

DON'T PANIC

again and again

Oh, we're sinking like stones,
All that we fought for,
All those places we've gone,
All of us are done for.

We live in a beautiful world,
Yeah we do, yeah we do,
We live in a beautiful world,

Oh, we're sinking like stones,
All that we fought for,
All those places we've gone,
All of us are done for.

We live in a beautiful world,
Yeah we do, yeah we do,
We live in a beautiful world.

Oh, all that I know,
There's nothing here to run from,
And there, everybody here's got somebody to lean on.


e enquanto ninguém compreende comigo
compreendo sozinha
sem ter para onde ou porque fugir.

leaning on myself
and on nobody else

last but not least: a minha insegurança sempre foi por mim.
queimo renato na cruz
e esqueço-me dentro da nossa melancolia em comum

quinta-feira, 17 de julho de 2008

cadernos de viagem

distrito do tabuleiro, conceição do mato dentro, MG
14 de julho de 2008

De todas as descobertas de ontem, duas me ficaram mais marcantes na memória. A primeira, no Poço do Pari, quando eu, deitada nas pedras, me senti conectada a todos os pequenos pedaços de coisas que formam o mundo. Naquele momento eu era toda a existência em um só ponto e pude de maneira extrema sentir a misteriosa presença do Divino. Foi algo mágico e impossível de se descrever propriamente. As folhas das árvores dançavam acompanhadas pelas formas das pedras e pelos movimentos das águas. Naquele momento, eu mesma era as árvores, as pedras e as águas, todas unificadas dentro do meu fogo interior. Chorei pois podia me sentir e me via dentro de todos os lugares. Estava em paz pois sabia da verdade inegável da solidão que me povoa mas podia compartilhar com todas as formas a mesma solidão irrefutável. Todos, tudo estava só, mas tudo se cabia perfeitamente dentro de cada parte mínima. E naquele momento eu me coube em mim e sorri com lágrimas nos olhos.