segunda-feira, 31 de maio de 2010

aleatórias

Entre os sons do anoitecer e sob as luzes que começam a se acender. Observo meu corpo mudado pelos anos, minhas mãos de rugas simples, as pintas na pele que o Sol cavou. Respiro os sons. Ouço o medo da tarde morrendo. Sinto o espírito do invisível correndo pelas coisas e trago mais fumaça enquanto o paioso em brasa queima, na minha mão a caneta chora uma lágrima de entendimento.


in.: os cadernos para mim mesma

sábado, 29 de maio de 2010

vamo lá no guapuruvu

Na liga!
Rememorando os guapuruvus
Verdes e balouçantes
Os amigos internacionalmente candangos
As estórias dos drãos e dos manos
Romanos ou ciclanos
Fulanos em ônibus e satélites
Ensandecidos pela vida
Nascidos em Taguatinga
Crescidos na Ceilândia
E amados no Plano Piloto
Os manos que lindos gritam na UnB
Quem ama, cola no Gama
Fi
De deus como eu.


in.: os cadernos para mim mesma

domingo, 23 de maio de 2010

parafraseando eu mesma

Bom dia professor.

Deus te abençoe nessa manhã aberta: é a alegria da geléia e a excitação do café: o dia divino de cada momento único. Ah! Escolhas: goiaba ou framboesa? De que me vale a certeza? Escolho sempre dividida e a escolha é essa: perder-se pelas linhas. Nesse momento o auditório da EAPE lotado, vamos seguindo e fazendo história: manada de bois que determinam os destinos das paisagens infantes, as virgens que saltitam pela Terra. Veja: é tão simples: destrua todas as cartas em que talvez eu tenha mencionado minha mãe e guarde as outras dentro de um grande e grosso saco sobre um assoalho antigo e lá esqueça, até que tenha esquecido também de mim e o tempo tenha por sua vez se esquecido de nós e possamos descansar sem culpa ou rancor.

É isso, professor.

Quem te escreve não é sua aluna, é um reflexo do que ela foi.

Estamos do outro lado e adentramos o mistério e é o mesmo barco: construído como queremos e ele ainda flutua, onde nasce a luz e o buraco negro apesar dos pesares.

O Gessinger já sabia ao sabor do acaso.

Morre.

Flutua.

Entende?

Revulocione!

O trabalho mercantil é burrice.

Trabalhe de graça, como os poetas!

Abraços de pupila



in.: cartas p/ o professor

quinta-feira, 20 de maio de 2010

UBALDO RIBEIRO, João

"(...) A alma não aprende nada enquanto alma, necessita da encarnação para aprender, (...)
Há poucas almas novas, embora todos os dias algumas sejam criadas, na grande sopa cósmica que rodeia os planetas e as constelações. Sabe a moderníssima Biologia que, há muitos e muitos milhões de anos, não existiam seres vivos, mas as substâncias que hoje os compõem boiavam soltas no caldo primordial dos mares e então, num lindo dia de sol, a luz bateu sobre algumas dessas substâncias bem ha hora em que o balanço das ondas as aproximava, com o resultado de que apareceu algo vivo pela primeira vez. A mesma coisa que os sábios mostram ser tão simples se dá com as alminhas novas, quando se formam na grande sopa cósmica. As alminhas são como certas partículas de matéria, também descritas pela moderníssima ciência, que têm cor, sabor e preferências, mas não têm corpo nem carga. Tanto as alminhas quanto as partículas não obstante existem, tudo dependendo da inquantidade de nada que não entra em sua incomposição e, com quase toda a certeza, de outras condições científicas, tais como pressão, temperatura e a presença de bons catalisadores para reações de nada com nada. Então, nas amplidões siderais, imensuráveis e copiosas não-massas de nada escorrem, obviamente sem qualquer velocidade que lhes seja inerente, para juntar-se nas proximidades de algum poleiro d'almas. Se o nada procura os poleiros d'almas ou se os poleiros d'almas procuram o nada, não há como saber. O fato é que, nas vizinhanças de um poleiro d'almas, o que ocorre é nada, nada por todos os lados, uma infinitude de nada inimaginável em toda a sua inextensão. Nada e mais nada e mais nada e mais nada ali se vai aglomerando, até o ponto em que se acumula tanto nada que ele se transmuta num nada crítico e desta maneira surge algo desse nada. Não mais é, essa repentina não-forma do nada, que uma almazinha nova, inexperiente e inocente como todas as criaturas muito jovens, por isso mesmo sujeita a grande número de percalços, pois a única coisa que sabe é que deve ir para o Poleiro das Almas, empoleirar-se com as outras e esperar a hora em que terá de encarnar para aprender. (...)
Quando, fortuitamente, o Poleiro das Almas está repleto de almazinhas recém-nascidas, a agitação febril de tantos jovens ansiosos pelo aprendizado e pelo cumprimento de suas sinas chega a fazer fibrilar o cosmo e a perturbar um pouco o perfeito funcionamento dos relógios astrais e demais mecanismos celestes. Nesses casos, é comum que, em revoadas nervosas e espasmódicas, como lavandeiras que estejam a mariscar e sejam espantadas por uma pedra, as almas novas desçam iguais a flechas em direção ao planeta, chispando de um ponto a outro com a velocidade de relâmpagos, até acharem um ovo, um útero, uma semente, algo vivo para animar. E, naturalmente, não descem como desceriam se fossem corpos, talvez propriamente nem desçam, já que suas trajetórias são simultaneamente perpendiculares aos planos de todas as três dimensões e, se não é possível compreender isto, é porque pouco se compreende de quartas, quintas ou sextas dimensões, inclusive as almazinhas, que, assim, antes de chegarem, nunca sabem onde estão. E dá-se muito que a primeira encarnação das almazinhas não seja em gente, mas em bicho ou planta, (...)

in.: Viva o Povo Brasiliero

domingo, 16 de maio de 2010

brasília e memória místicas

Vida frenética e sem freios, espevitada e desastrada, escorregadia e indecifrável! Ah, mal sobra tempo para as coisas boas da vida: a soneca depois do almoço, as cartas para os amigos, os banhos de cachoeira, os passeios pelo pôr-do-sol...

Mas não há tempo a perder: vou ser feliz agora mesmo, quando te vejo chegando no aeroporto visitando essa Brasólia seca e esquisita. Cá estamos na capital corrupta do país. Mas veja: os hospitais estão em ruínas e a Câmara Legislativa tem até cinema: imponente e exibida no eixo monumental dos superfaturamentos! Veja: as escolas estão ao léu, os pontos de ônibus são feios, as obras estão paradas: ô cidadezinha mal amada essa viu!

(...)

De qualquer forma, podemos esquecer tudo isso e assistir os filmes gratuitos no Cine Brasília ou pegar o ônibus de graça pro CCBB e ver qualquer exposição que lá esteja. Ou ainda podemos ver o pôr-do-sol na Ermida (o ruim é chegar lá de ônibus) e se deslumbrar com esse céu maravilhoso. Depois a gente passa na rodoviária do Plano Piloto e come um pastel na Viçosa. Aproveita e passa na farmácia e compra um sal de fruta e vai dar uma olhada nos produtos dos ambulantes. Tem uns hippies artistas que de vez em quando pintam em frente do Conjunto Nacional. Depois a gente arruma grana, pega um táxi e vai pro Cine Academia ver algum filme alemão ou iraniano.

Seria legal.

E assim, imaginando, te encontro por essas bandas daqui, mesmo você estando nas bandas daí.

Mas cá eu, aprendendo a ser melhor e tentando sanar as dores, trabalhando despreocupadamente e esperando a UnB sair da greve. Pensando nas filosofias. Amando os amigos. Torcendo por dias melhores. Ruminando as dúvidas.

Fico imaginando como você anda e logo penso: com as pernas, é claro! E aí sorrio e penso na beleza charmosa do olhar oblíquo e no sorriso seu aberto e delicioso. Aí agradeço a Deus por ter criado os seres e busco no coração a oração mais apropriada.

Ahôôô! Ê trem bão divino!

Somos pequenos cristais vibrando as energias do espírito! Alegria e tristeza em doses individuais! Mensageiros do amor e guerreiros do bem!

Ahôôô!

É bom viver

Também é bom.

Ensinamentos que nos trarão tesouro,

Essa vida.




in.: cartas p/ vivi

terça-feira, 11 de maio de 2010

aleatórias

É hora de recomeçar. Por onde andamos? Jovens da era sem nome, essa do agora.
Bem antes de nascer eu temia o nascimento mas corria pelos reinos do espírito feito criança a brincar, para esquecer da noite em que dormiria para renascer.
(...)
Aonde vamos é mistério para todos.
O que queremos só não é mistério para nós.

in.: cartas secretas p/ D.

domingo, 9 de maio de 2010

yindo e yangando II ou pêndulo giratório

(...)
negra me visto não pelo sinistro desta cor mas pela beleza do branco brilhoso no negro arrebatador do espaço: "luz que se fez então... a dor da respiração..." Nasci.
Eu era estrela
No céu pulsante
Vibrei e descobri a alegria
Mudei e fui descoberta pela tristeza
Assim sucessivamente

in.:cartas p/ dulcinéia

terça-feira, 4 de maio de 2010

DOMINGO 2 PELA TARDE

Debaixo de duas árvores das favoritas
Entre a loucura e a preguiça
Deita a voz do ser humano só
Eu.
Dentre eus, Deus.
Palavra anunciada sob a lótus de minhas pernas.

Eu de Deus e Eu e Deus
De mãos dadas
Em qualquer lugar debaixo de duas árvores das favoritas.

Os pássaros param
A dor é sentida.
No leito da Terra a
Solidão espera.

in.: os cadernos para mim mesma

domingo, 2 de maio de 2010

yindo e yangando

E tenho sido mais grata ainda, nesses dias em que encontro ainda mais seres humanos que me comovem. O amor brota aos borbotões: me apego aos amigos com a serenidade de uma ermitã solitária: sei que eles também irão embora um dia, mas aprecio cada segundo em que tenho a companhia deles, e sei que sua lembrança estará para sempre comigo.

Nem tudo são flores, contudo. Por vezes acordo amaldiçoando a vida e praguejando com o sol. Às vezes sinto Deus distante como uma idéia vaga. Outras vezes deixo cair lágrimas pela minha condição [...]. E, no entanto, sei que tudo é questão de tempo e, num piscar de olhos, lá estará eu agradecendo a vida e admirando a beleza desse mundo. É o espírito do invisível se revelando diante de meus olhos incrédulos. E então a idéia de Deus se me torna íntima, e eu sou toda agradecimentos.



in.: cartas para amarante