terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

escreviver

Avoluma-se meu isolamento subjetivo: estou palavra. A síntese do real – que refresca a nuca com vento frio e enche a boca com o gosto do cigarro – se quebra quando é escrita: dita, dilui-se como o sal na água. Não há uma só verdade que perdura: tudo se torna vago e trêmulo como uma tv mal sintonizada.

Eis que eu tento apreender esse real: há pássaros gritantes, uma mangueira acolhedora, passantes com suas bolsas. Veja: as pequenas sementes da grama balançam levemente pra cá e pra lá, espetadas no carpete verde que me rodeia. Guapuruvus agigantam-se mais adiante. São meus pois eu os escrevo, eis minha porção mais egoísta.

Mas onde está a poesia. Sempre a procurei, por muitas vezes passei meses pensando ter a encontrado. No entanto, que estrago: tudo o que escrevo são cartas, pois esse egoísmo tão nato não quer se fazer tão possessivo: busca amenização nos olhares alheios: cartas pra que as quero. Não há outro meio: sempre que escrevo, relembro de ti ou dela, dele, as pessoas que me sabem humana e me conhecem na minha porção mais real: aquela de fora de mim, com cabelos que embranquecem e unhas mal cuidadas, sardas espalhadas e gargalhada esparramada. Quando o remetente se delineia eu me consigo fazer presença real. A poesia mistura tudo, falseia a experiência imediata: essa que me corre nas veias. Eu quero que a frase seja dita sem precisar rimar com nada: tudo o que existe em mim é suposição quando eu coloco na boca: as palavras são tudo o que tenho, mas nunca saberão expressar o que sou.

Então quero me descobrir aqui. Mesmo que eu duvide de tudo, as metáforas são os instrumentos mais propícios para a expressão de mim mesma, essa explosão de significados que afoga qualquer tentativa de contenção: de repente tenho frases saindo da boca e adentrando o papel. De repente quero dizer que hoje eu não fui trabalhar pois tudo se perdeu: eu precisava andar de bicicleta e pensar na vida. Estou feliz, mas estou triste. A ansiedade é algo que me salta nos atos: meus dedos se contorcem, minha perna tremilica, meu nariz coça. Como é imenso ser humana: a gente expressa essa angústia no próprio corpo.

E, no entanto, oh não, onde eu comecei, onde vim parar, onde, onde...

Estou sob a mangueira de bicicleta e uma chuva vem aí. Vou saindo dessa e entrando em outra.



in.: cartas p/ o fotógrafo, dez/2010

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