terça-feira, 31 de agosto de 2010

Aniversoário

Hoje era ontem e já foi.

Pra que temporalizar?

O ontem é hoje: meu vô sorri no meu colo.

Sei que era mensagem: a morte é nossa se nós quisermos.

Ontem à noite estavam encarecendo as passagens de ônibus

E hoje de manhã eu ganhava pulseiras de presente.

Sente? O dia hoje era ontem, de novo noite.

Não preciso entrar em detalhes lógicos

Pois a poesia dispensa formalidades.

A cidade é como uma constelação:

Cruzeiro que Novo estrela

Guapuruvus com nuvens e velas

Motores sonoros

A Santa Teresinha e seu neon desligado.

De cá diviso a quadra em seu quadro solitário

No mesmo momento em que escuto gritos

E me relembro dos homens do basquete.

De suas cestas, sua pontaria.

Invejo suas objetividades e no rabisco do verso grito minhas bolas:

Hoje é dia do padeiro.

Então que venha a massa real.



in.: os cadernos para mim mesma, 08-07-10

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Morcego Poeta

Vem o morcego rasante versejar na noite
Corta o ar numa curva bruxuleante
Asas desengonçadas projetam-se em harmonia
Eis o morcego selvagem em plena bizarria
Rindo da minha apreensão momentânea
Ante seu vôo de tamanha singeleza.
Vem o morcego me cantar da beleza
Dos porões escuros que habitam árvores cheias de vida e de sonhos.


in.: os cadernos para mim mesma
17-08-10

terça-feira, 24 de agosto de 2010

...

Sim, eu ouço os sussurros sibilantes dos ventos e os ensaios distantes da escola de música, eu me aventuro no verso da vida sentando na grama e fazendo do joelho uma mesa, do absurdo, o possível, da tristeza o desafio, da dor a lição. Então. Sou eu ou é o mundo???



in.: cartas p/ machado amarante

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

COMPÊNDIO DIVINO

Por onde andará Jesus Cristo?
Onde colhe Gabriel os lírios?
João Batista batizou no limbo?
Nunca ninguém escutou a flauta de Krishna
Mas alguns poucos sentem que ela toca todos os dias.
O que Muhammad diria a Joseph Smith e vice-versa?
Ousaria Kardec ou Chico intervir no colóquio?
Nunca! Nunca nos esqueçamos: Judas também senta à mesa
E Sidarta bebe do maná dos céus.

Como Oxossi descobriu o Brasil?
Onde São Jorge afia a espada?
Eros precisa mesmo ferir?
Como Thor se resolve com Zeus? E Tupã?
Não nos enganemos: Lúcifer era o preferido de Deus...
Mas onde andará Raimundo Irineu?
A voz do trovão e o cheiro do vento
São força de vida que Gaia nos deu.



in.: cartas p/ hugh link

domingo, 15 de agosto de 2010

sobre o que é bom

Escrevo-te de dentro do meu estranhamento perante o mundo. A vida é mesmo uma gangorra de conflitos. Nunca sei como me portar propriamente perante a porra paranóica desse mundo. Hesito, perco, sou levada. Mas sabe, mesmo assim é bom. Há os pequenos consolos.

Hoje quero ficar sozinha. O céu vazio de nuvens é convidativo e o sol me veio cantar no rosto. Música nas minhas sardas.

De vez em quando me esqueço dos problemas, nas outras vezes os problemas se esquecem de mim. E assim sigo, bamboleando sem perceber.




in.: cartas p/ o fotógrafo


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ecoemos seres de luz

Para onde vamos, seres de luz?
Por que sombras nos carregam nossos corpos?
Por que vales desconhecidos nos levam nossos pés?
Assomam-se os amanhãs incontáveis
Na eternidade da onda que nasce na estrela
Ou na miudeza do elétron:
Fóton enigmático
Calor efervescente
Luz... Imensidão desperta

Para onde amamos, seres de pensamento?
Para onde?
Se a morte é o voraz remédio
Até mesmo para aqueles
Que não querem ser curados?

Eis que surge a esperança no desenho do horizonte
Olhos verdes como os montes de uma terra já perdida
No olhar ela carrega as sementes de uma era
Que em sonhos imagina dentro em breve ressurgida

Descansamos nossos pés nos jardins da nova era
Nossos corpos nos carregam no infinito de um segundo

Pois que vamos por onde amamos,
Seres de luz.

in.: profecias profanas

domingo, 8 de agosto de 2010

eros e ágape

Como o tempo é um bom camarada, ele aparece por aqui apenas para traçar a reviravolta de minha narrativa epistolar que contava o fracasso de Eros e minha rendição à casta pureza de Ágape.

E, no entanto, quinze, vinte e cinco dias depois.

Amigo tempo que vem lento mas implacável: eis a morena na minha cama, daqui do parágrafo sinto seu hálito animal e sua grave voz que denuncia o gozo e a rendição à vida: sim, veja: a culpa é de Eros, ele se esbalda em nos pregar peças!

Agora estou nua pela noite lenta: nossos corpos são barcos que navegam devagar se rendendo paulatinamente à violência das águas. Somos tragadas pela maré que insiste em dançar como nós também nua pela noite lenta.

É a força de Eros gritando na seta que atravessa

A carne.

Te digo, amigo: eu e a morena nada temos em comum.

Ou...

Quase nada.




in.: cartas p/ amarante

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

após um trabalho de ayahuasca

Ainda sinto a força da ayahuasca se movendo pelo meu corpo. As sensações são como ecos: sinto-as várias vezes! Meus ouvidos dançam com a música. A emoção é contida mas se faz intensa por dentro.

Tento organizar as idéias. Mas são tantas coisas! Vejo que estou bem e viva. Dou graças aos deuses, ou ainda melhor: dou graças a Deus pois ele é um só e Ele me determinou. E será Ele que me fará morrer sem precisar me matar.O mistério.

Deus. Só você preenche minha vida. Súbito percebo: é você quem procuro. Está nas minhas raízes. Estou contigo, Deus.

Sim. Cada trabalho é a confirmação de que eu não estou só. Eu vejo as múltiplas vivências e as múltiplas ligações ancestrais. Eu vejo manadas de almas indo e vindo sem saber por quê mas simplesmente vivenciando o estrondo de se nascer e de se morrer. Esse intervalo enigmático que determina tudo: desde o alfa até o ômega. Vida. Dom Divino. A única coisa que existe.




in.: cartas p/ dionis

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

GRAÇAS A DEUS

Ao escrever profetizo lembranças
Lanço minhas palavras ao mar para abraçar os peixes.

Rogo caminhos aos pés
E passo cola nas frases
Pra sustentar o poema

Escavo as memórias antigas
Em busca do dom que perdi
De repente o verso cria vida
E grita cheio de esperança:

Floresce forte, humanidade
Os sonhos são feitos pra perdurar
Tarda por ora, Apocalipse
A profecia inda quer soar.


in.: profecias profanas

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

sobre o medo

Sim, eu tenho medo.

Hesito, erro, a custo percebo:

Eu tenho medo.

Cada respiração expressa em si mesma

A totalidade de meus anseios.

Lá vamos nós novamente ser tragados,

Atravessar todo aquele medo

Vencê-lo ou ser vencidos por ele,

Lá vamos nós novamente.

Vamos sorrir

Quando por fim percebermos

Que depois de tudo

Há um outro medo.




in.: os cadernos p/ mim mesma, 30-07-10