domingo, 29 de março de 2009

GUIMARÃES ROSA, João

"Amigo? Aí foi isso que eu entendi? Ah não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo, para mim, é só isto: a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual, o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou - amigo - é que a gente seja, mas sem precisar saber o por quê é que é. Amigo meu era Diadorim; era o Fafafa; o Alaripe; Sesfrêdo. Ele não quis me escutar. Voltei de raiva."

In.: GRANDE SERTÃO: VEREDAS

segunda-feira, 23 de março de 2009

HORTA, Maria Teresa

TATUABEM

Ossifico a dor
o dia

Tatuagem
de tatuar o espaço
livre

onde a queda
a neve
ou o meio-dia
multiplica

a multiplicação
do sangue
um sulco claríssimo

qualquer coisa
de vário
ou de estranho

a moleza branca
de um calor
rosado

Tatuagem feita
vezes quatro

Aquidade espessa
de chuva sem
passagem

olhos animais de cornos
azuis

e perfilados
com lágrimas por dentro
ou neve ossificada

Tatuagem
tatuo no ventre um filho
Mãe depois e nunca
verificada

Mãe de ovários
duros
e peitos madrugada
com um amante
por noite

um animal

uma harpa

Ou qualquer coisa
de bom
de esquecimento
de sono

o para sempre estar deitada
as pernas
sementes várias

o para sempre estar escolhida
entre mulheres
sem imagem

Tatuagem
violada
que se traz sob um dos
braços

uma agudeza
de água
epiderme rouca e parca

Partida
sem ser viagem

ou despedida
ou embarque

Tatuar
de tatuagem

sede de queda
oxidada


In.: Cidadelas submersas



sexta-feira, 20 de março de 2009

carta para o daniel de olhos cálidos

Teu nome ressoa profético e milenar como o trabalho das abelhas ou as espumas do mar. Lembro-me de uma cova, alcova, caverna, onde leões rosnavam ameaçadores. Era na noite onde teu nome ecoou antes mesmo de teu nascimento.
Não somos nós o desenrolar das palavras, das estórias, dos sonhos dos nossos antepassados?
Sim, a profecia das abelhas
E os milênios do mar...
Nossas palavras,
Nosso ressoar.

Veja!

Hoje larguei de lado, pelo menos por enquanto, a psicanálise. Deixei-a no divã com a doutora de olhar amarelo do lado. Foi-se, num tantico de lágrimas amargas e orgulhosas, foi-se. Acabou-se.
E, do outro lado da história, meu caminho se abrindo selvagem e vacilante, mas cheio de coragem.
O bom da vida está aí. É coisa da Santa Natureza. Tem gente que pensa que o humano não é natural. Talvez não seja mesmo. Talvez o humano respire um ar artificial. Mas, então, não seria a própria Natureza uma produtora de artificialidades?
É. Não há como fugir do tecnológico. Ele nos traga, está por todos os lados. Ondas eletromagnéticas que nos trespassam subliminares, sutis, enigmáticas. Um amigo meu me disse que inevitavelmente o homem se tornará máquina, pois a vida é frágil e a máquina permanece. Me deu foi medo essa idéia dele. A máquina já não seria humana, seria?
De qualquer forma, confesso ser avessa a tecnologias. Mas estou contaminada por elas.
Talvez por isso ainda precise de amar o contato do papel e da caneta entre os dedos. Para amenizar a derrota progressiva dos manuscritos, e manter a resistência ativa e na luta pela caligrafia...
Obviamente, para além dessa grande viagem em prol da escritura sem teclas, escrevo no papel pois o correr da caneta é necessário e meu olhar busca as formas das palavras se encontrando.
Amigo! Leia e escreva sua vida com fé em si mesmo e no mundo, meu querido Daniel na cova dos leões como eu...

carta para o destinatário que mora comigo amigo

19-02-09

(...)

Ela apareceu por aqui e eu gozei pois era bom ritmar aquela música de sexos. Foi lindo!

Eu estou faminta agora. Ela foi embora.

(...)

Amigo meu. Que estranha conexão é o sexo o os sentimentos que dele advêm! Pois somos tão diferentes e que modo desesperado e louco é esse de nós nos tocarmos. Coisa de pele, que só a pele explica, quando toca, quando arrepia, quando sua. Que loucura.



20-02-09


Eu não consigo mais ficar como quando tola eu ficava pela minha amiga ou minha analista: perdidamente apaixonada. Eu não mais me apaixono perdidamente. Quando eu me apaixono, procuro ser achada. Achadamente apaixonada.





domingo, 15 de março de 2009

carta para luciana

MAIS AMOR...


É muito difícil ter que carregar uma história inteira nos braços. Por isso eu conto várias outras. Para que a variedade labiríntica delas me disperse da minha verdadeira história, tão difícil de ser carregada.

E minha verdadeira estória chora o amor de Werther, de Florentino Ariza jovem, de Riobaldo temeroso. Ontem pela noite, com ela nos meus braços, a estória do meu fantasma de olhos incertos tomou lugar em minha boca e eu não chorei pois precisava engolir a seco e ela me ouviu sem entender realmente e eu me perguntei por que as cicatrizes daquele meu precioso fantasma ainda doem tanto.

Imaginei então que bem dentro delas o ferimento ainda pulsava dor. E pela primeira vez em anos me vi adolescente e aceitei minha ingenuidade. E pela segunda vez em anos vi e senti com todas as letras que meu fantasma me acompanhará sempre que eu tiver uma mulher entre os braços. E já não temi a presença dele, sorvi a dor e me preparei para desafiá-lo.

(...)

Redesenho minha Carlota, minha Fermina, meu Diadorim. Um fantasma de vários olhos no pesadelo das minhas linhas quebradas ao meio. Me trespassa com a rejeição, me traz lágrimas aos olhos, me condena a penitências eternas. Grilhões nas mãos e pernas, mordaças na boca sedenta, vendas nos olhos desencantados. Quero gritar mas não tenho voz.

Ah! Imaginação cortante!

O fantasma.

Na sala de fundo meu amor me espera nua e sem literatura, mas suando poesia.

Não há deslumbramento melhor que a desilusão adocicada pelo livramento.

O mote dos amargurados.

O xote dos apaixonados.

Águas passadas que novas lavarão.



03/03/2009

sábado, 14 de março de 2009

CAEIRO, Alberto

EU NUNCA GUARDEI REBANHOS

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

[...]


sexta-feira, 13 de março de 2009

MORISSETTE, Alanis

Incomplete

One day I'll find relief
I'll be arrived
And I'll be friend to my friends who know how to be friends
One day I'll be at peace
I'll be enlightened and I'll be married with children and maybe adopt
One day I will be healed
I will gather my wounds forge the end of tragic comedy

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time of being forever incomplete

One day my mind will retreat
And I'll know God
And I'll be constantly one with her night dusk and day
One day I'll be secure
Like the women I see on their thirtieth anniversaries

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time of being forever incomplete

Ever unfolding
Ever expanding
Ever adventurous
And torturous
And never done

One day I will speak freely
I'll be less afraid
And measured outside of my poems and lyrics and art
One day I will be faith-filled
I'll be trusting and spacious authentic and grounded and home

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time of being forever incomplete



lindo!

terça-feira, 10 de março de 2009

A GUERRA

carta p/ F.

Estou radiante, mesmo a noite sendo plena, eu radiante na suspensão dos momentos que se esbarram entre os diálogos que são travados como aventuras que são as estórias que as linhas contam. Nessa tarde secular eu liderei exércitos – eram soldados amarelos e radiantes como eu radiante agora nessa noite que é plena – que saíram da América para adentrar a Ásia e por fim desolar a África e eram exércitos cheios do orgulho da guerra alimentada única e exclusivamente por ambições pessoais e o sangue correu em milhares de litros e braços e orelhas decepados e caralhos voando sob o som das bombas que explodiam imaginárias dentro do tabuleiro do jogo de estratégia.

Foi assim que ganhei War II pela primeira vez.


MENDES, Murilo

A POESIA É A REALIDADE; A IMAGINAÇÃO, SEU VESTÍBULO.


In.: O Discípulo de Emaús



again and again

segunda-feira, 9 de março de 2009

carta para o artesão dos olhos encantados com estórias de pescador

Mas olhe, pesco as palavras, é um negócio de sorte ou azar, esse pescar. Lógico que se deve ter em mente a logística do rio, das águas, dos barrancos, sim, conhecimentos de pescador. Mas pescar também é sorte que eu sei. Como tirar da cartola alguma coisa: você não sabe se será esperança ou destruição, mas você pesca alguma mágica quando se põe a escrever contando com a sorte.

É certo que, depois de se pescar, é necessário preparar o peixe. Da mesma forma a escrita. A gente rabisca, muda de lugar, acrescenta. No fim tem um bom peixe empanado.

Aí você come. Aí você caga e a bosta volta pra terra. E pronto, a história nunca termina.

Por isso que temos que parar por agora.


17/02/09

domingo, 1 de março de 2009

carta p/ heloisa

"(...)E me canso do livro e olho para as árvores e vejo-as acenando para mim. E elas são lindas e eu lamento não poder ser árvore para dizê-las que me apaixonei pelo balançar de suas folhas, tão cheio de verão.
(...)Minha alma não sossegará na sobriedade insípida. Provo da loucura de cada momento de lucidez e da maldição sagrada de cada gole de vinho.
Todo método se esgota por si mesmo."

JANEIRO/2009