domingo, 13 de fevereiro de 2011

o surto

01-02-11

Num banco sob a sombra agradável, 312SUL

Antes de mais nada adianto- me: a loucura – nua e crua

- não é nada agradável.

Ela grita, sapateia, inventa, devaneia, contradiz, recontradiz e continua.

- nua e crua

- como um assassinato.

Nessa noite eu atravessei a barreira do insondável ouvindo meu grande amigo em seu devaneio psicótico.

Ele surtou. Meu Deus. Ele surtou.

Oi!

Ou foi eu?

Foi?

No final das contas, como meu amigo, eu resumiria toda minha angústia em pequenas frases com o meu sentido mais íntimo.

A culpa não foi nossa.

A culpa é dos livros. A culpa é do Zizeck e sua visão em paralaxe. A culpa. Culpa.

Onde foi que eu me perdi?

Na noite anterior olhos lacrimejando desreconheci meu amigo, olhei-o nos olhos sem o ver, ele com seu orgulho intocável, sua estatura acadêmica e esquizofrênica bem mais imponente que a minha, ele que é um dos caras mais inteligentes, seguro de si – e portanto às vezes orgulhoso em demasia, ele, quem? Olhei-o nos olhos e continuei a procurá-lo a noite inteira, sem conseguir, até que me rendi a ouvir seus disparates, estirada na cama com os olhos vermelhos de sono, exercitando minha paciência, deixando que seus discursos repetitivos ecoassem sórdidos na minha cabeça, assim loucamente até que me cansei, levei o colchão para o banheiro e lá me deitei, assombrada pela transformação do sujeito em mero discurso insandecido, a descida do consciente ao inominável, os solavancos de um eu despedaçado ante o desaparecimento da censura. Ele me gritava impropérios e eu os escutava como se não viessem dele, como se viessem de um mundo paralelo para além de meu amigo que, surtado, desfilava um sintoma seguramente enlouquecedor diante de mim.

E que fique claro, agora: para ele, a culpa era da televisão, que servia de palco horripilante para toda a carnificina da modernidade, essa loucura cruel que as gerações vindouras herdarão: a que gera moral a partir do mercado.

Portanto: a culpa é dos livros ou da televisão?

Independentemente de tudo, percebo: a culpa era nossa.



in.: os cadernos para mim mesma, 01-02-11

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