sexta-feira, 24 de abril de 2009

palavras ao vento

Desserenizo-me. Estou à deriva e quero desafiar o equilíbrio das coisas: trêmulas sombras no limite dos corpos. No horizonte a manhã se colore sombria e cinza, o sol se esconde com medo da densidade da chuva que vem apagar o fogo. Escureço ao redor. Gris melancolia trazendo o tom da minha imaginação criadora. Mais tremores nos limites das coisas: é meu coração que pulsa ou o derredor que sopra? É a maré dos ventos me bombeando vida pelas veias, a força do invisível a habitar os vãos de meu eu.
Meu corpo sonha uma alma. Ela tem um rosto de Lua, iluminado e pálido, cheio de solidão. Meu corpo sonha uma alma. Seu corpo são raízes infiltrando-se na terra úmida e fria que se abrasa com a vida que invade. Sonhos de resgate, desejos de dissipação. Meu corpo imagina o intangível que se solidifica no material onírico que nasce com o balançar das árvores do meu jardim. Ela tem os gestos verdes e o semblante carregado de placidez. Eu a procuro.


In Cartas para Heloisa Árvore

domingo, 12 de abril de 2009

DYLAN THOMAS

Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a luz se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo salário mínimo
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da luz enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.


Tradução de Ivan Junqueira



(...)
(presente que mamãe me deu)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

continuando a carta da tristeza....

(...) ainda erro, erros, como errando pelas linhas e escutando o semáforo do Vanguart me lembro das vanguardas dadas surreais que despedaçavam a arte e percebo que na literatura eu coloco música e sou teatro pois permaneço esperando Godot e acredito no relógio mas sei de sua efemeridade pois o tempo é só estória e a história é dos vencedores, porra, e quem disse que eu quero compactuar com isso, com essa dinâmica torpe desse mundo de vencedores raros e hordas infindas de perdedores que choram a morte de um filho ou a injustiça de um P.M.? Me diga: quantos são corruptos? Quantos não o são? E os que não são, ainda estão vivos? Me diga: por que o umbigo? Senão para que olhes sua inutilidade, seu mero aspecto ornamental, o umbigo ego que cega qualquer um que viva nesse mundo de outdoors e jogadas de marketings pessoais.

A História e a Literatura são vozes dos vencedores.

Mas a Literatura ao menos humilde tenta chegar à voz dos todos outros perdedores, que ficaram sem voz diante do meritíssimo juiz da comarca.

Eu perco. E luto. Gosto do povão. Acho que sou um deles, mesmo burguesa nascida que sou.

Amigo meu. Hoje sou perdedora. Perco a fala diante dos maurícios e patrícias dessa vida.

É isso. Nunca quis ser Patrícia! Sou introvexa! Cancerígena! Caranguejeira! Puro veneno, emoção, sentimento! Sou a cadeia montanhosa de signos em avalanche de pedras atravessando as linhas e destilando o soro antígeno da cura que tenta chegar através das palavras.


27-03-09

segunda-feira, 6 de abril de 2009

a tristeza

Hoje estou triste. A melancolia de todos os meus ancestrais reúne-se nessa noite para tomar-me por completo. Percebo-me como nunca antes: sou temor e resignação, sou rendição, sou lágrima. Sem motivo aparente, mergulho em sensações tenebrosas, desenho no livro de minha vida o símbolo da derrota: gemidos de traços trêmulos, corações expostos, desesperança aglutinante de todos os males. Eis-me no hoje triste. Estou desistente, chorosa. Não creio mais nem na palavra: morro no ponto final.
Ah! O que acontece é que não me encaixo na dinâmica exasperante do mundo e então ela me sufoca e eu quero que tudo desapareça. Tenho vergonha da máscara social que uso mas mesmo assim não tenho condições de outra usar. Isolo-me cada vez mais, pois as pessoas me acuam, suas palavras são como monstros que me envolvem ameaçadores, seus olhares são dardos alvejados contra minha frágil configuração: sou a estranha dos dedos de contorcionista, a doidona da risada escandalosa, a moça de quem não sabem o nome. Sou o ápice do uncool, o apogeu do mal-gosto estilístico, o vértice da sem-gracice. Sou a pessoa que se esconde atrás dos estereótipos mas que os carrega como armaduras incômodas, uniformes sem brilho. Sou isso, sou aquilo, e sigo só e sem nome de renome, sem estrela na calçada, sem outdoor de promoção. A ordinariedade me trespassa, ardo de rancor para comigo mesma, carrego anos de decepções amorosas e séculos intermináveis de solidão. Revolto-me mais uma vez contra a dinâmica do mundo e do meu rosto descem lágrimas e gritos de desespero: tudo é em vão para mim, mesmo não o sendo para o tudo! Minha vida, peça dolorida no tabuleiro imaginário do jogo que deus joga com o diabo.
Ah! Tudo queima, arde como sal na ferida, rasga como hemorróidas lambuzadas de bosta, tudo fede e machuca como as palavras dos inimigos, tudo aponta e acusa como as mãos dos judeus que mataram o Cristo, tudo anseia eternidades e chora pecados... Tudo me magoa e é minha própria mão que balança o ritmo dessas palavras de fel que querem ser expiação pois é só isto que resta: entôo cânticos de maldições infindas e meu suspiro espera a morte. Tudo é dor dentro do meu eu em pedaços, dilacerado por uma existência de conflitos internos impronunciáveis e de desarranjos sociais notáveis a olho nu. Choro minha singularidade que revela não só a mim, mas ao eu de todos aqueles que viveram a oportunidade desesperadora de um mundo onde os deuses nascem mortos e os anjos não existem. Sou a lágrima derradeira de um sonho-pesadelo: meu reflexo no espelho.


In.: Carta para Amarante

sexta-feira, 3 de abril de 2009

CASOS DE FAMÍLIA

Agora eu estou em casa de minha avó e tomo uma limonada enquanto Dona Geni come um abacate com açúcar e Tina degusta uma maçã. Casos de família.

Temos uma tia, a Dedé, irmã da Tina, filha da Dona Geni. Ela nos dizia que havia ganhado um pozinho mágico de uma bruxa, o qual ela guardava num saquinho que nos mostrava para nos fazer medo. Dizia que aquele pó a transformaria num monstro, e ela então nos engoliria pois fazíamos muita bagunça. Ela se transformava num daqueles monstros horríveis do Jaspion. Foi uma moça estranha – uma bruxa! – num banco de praça que a presenteou com aquele pozinho mágico, dizendo que com aquilo ela poderia fazer o que quisesse e sonhasse, mas que deveria ter muito cuidado ao usá-lo. Algo deve ter dado errado. Ela se transformava em monstros do Jaspion! Meus Deuses, que viagem! Ser criança é mesmo um tróço único.


In.: Carta pro menino amigo meu.