quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

aleatórias

A tarde se estica em seu auge ensolarado. Eu mais uma vez refém de meus hábitos: abraço o parque da cidade em minha bicicleta nova: ela não funciona direito mas mesmo assim eu consigo me divertir.

Muita coisa importante ta acontecendo na minha vida. Não há literatura que güente tanta pancada.

Por que diabos aboliram o trema?

Robustez eu não

Tenho. Se tive, o

Cigarro apagou para

Acender a tosse.

Eu sei, eu sei. As pessoas se viciam. Mas eu não tenho medo: a escolha virá linda e dolorosa me fazer decidir.

Sempre é assim: uma opção também denota um abandono.

(...)

Dizem que eu sempre fui melancólica.

Dizem certo, mas se esquecem de dizer

Que eu sou muitas.



in.: os cadernos p/ mim mesma

05-12-10

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

No parque sob o sol

Sobre o tempo e pensando sobre o amor de Lord Henry

As curvas do tempo são surpreendentes. Eis a criança querendo adultecer sem conseguir se expressar. A menina me olha em silêncio, esconde seus pensamentos, torna-se secreta pra mim. Eu a olho e a medida em que os dias passam ela se torna mais e mais desconhecida, ainda criança em minhas memórias, de carnes tenras e olhos puros, mas terrivelmente modificada pela distância crescente que nos separa. A criança adultece sem precisar de mim. Sou um mero brinquedo se tornando aos poucos uma lembrança tênue, quase transparente. Eu fui embora mas ela ficou em mim.


in.: os cadernos para mim mesma, 16-02-11



"My dear boy, people who only love once in their lives are really shallow people. What they call their loyalty, and their fidelity, I call either the lethargy of custom or the lack of imagination."

Lord Henry in The Picture of Dorian Gray




sábado, 19 de fevereiro de 2011

A MEMÓRIA DO TAMBOR DO CORAÇÃO

Ao longe as percussões do parque da

Cidade

Cidade que me leva ao léu do leme da

Vida

Vida que é sofrida e repetida em cada

Compasso

Passo que eu dou em direção às minhas

Mortes

Mortes que são nada além de partes de

Uma história

Esta que é contada e que reside

Na Memória.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Desfrut Bar

Reencontro com meu amigo.
E meus amigos.
Minhas cervejas.
Meus baseados.
Que são esses momentos? A minha bike encostada ali, os nossos pensamentos se trançando, as ideias simples transbordando pela mesa.
Amenidades.
Eu sei, chegamos no momento iminente: é agora ou nunca. Bebo água. Bebo lágrimas. Degluto sorrisos. (...)
Estou ébria porque quero.
Mergulho porque pulo
E pulo porque minhas pernas
se enchem de tensão
para que a mudança venha.

in.: os cadernos para mim mesma, 13-02-11


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

escreviver

Avoluma-se meu isolamento subjetivo: estou palavra. A síntese do real – que refresca a nuca com vento frio e enche a boca com o gosto do cigarro – se quebra quando é escrita: dita, dilui-se como o sal na água. Não há uma só verdade que perdura: tudo se torna vago e trêmulo como uma tv mal sintonizada.

Eis que eu tento apreender esse real: há pássaros gritantes, uma mangueira acolhedora, passantes com suas bolsas. Veja: as pequenas sementes da grama balançam levemente pra cá e pra lá, espetadas no carpete verde que me rodeia. Guapuruvus agigantam-se mais adiante. São meus pois eu os escrevo, eis minha porção mais egoísta.

Mas onde está a poesia. Sempre a procurei, por muitas vezes passei meses pensando ter a encontrado. No entanto, que estrago: tudo o que escrevo são cartas, pois esse egoísmo tão nato não quer se fazer tão possessivo: busca amenização nos olhares alheios: cartas pra que as quero. Não há outro meio: sempre que escrevo, relembro de ti ou dela, dele, as pessoas que me sabem humana e me conhecem na minha porção mais real: aquela de fora de mim, com cabelos que embranquecem e unhas mal cuidadas, sardas espalhadas e gargalhada esparramada. Quando o remetente se delineia eu me consigo fazer presença real. A poesia mistura tudo, falseia a experiência imediata: essa que me corre nas veias. Eu quero que a frase seja dita sem precisar rimar com nada: tudo o que existe em mim é suposição quando eu coloco na boca: as palavras são tudo o que tenho, mas nunca saberão expressar o que sou.

Então quero me descobrir aqui. Mesmo que eu duvide de tudo, as metáforas são os instrumentos mais propícios para a expressão de mim mesma, essa explosão de significados que afoga qualquer tentativa de contenção: de repente tenho frases saindo da boca e adentrando o papel. De repente quero dizer que hoje eu não fui trabalhar pois tudo se perdeu: eu precisava andar de bicicleta e pensar na vida. Estou feliz, mas estou triste. A ansiedade é algo que me salta nos atos: meus dedos se contorcem, minha perna tremilica, meu nariz coça. Como é imenso ser humana: a gente expressa essa angústia no próprio corpo.

E, no entanto, oh não, onde eu comecei, onde vim parar, onde, onde...

Estou sob a mangueira de bicicleta e uma chuva vem aí. Vou saindo dessa e entrando em outra.



in.: cartas p/ o fotógrafo, dez/2010

domingo, 13 de fevereiro de 2011

o surto

01-02-11

Num banco sob a sombra agradável, 312SUL

Antes de mais nada adianto- me: a loucura – nua e crua

- não é nada agradável.

Ela grita, sapateia, inventa, devaneia, contradiz, recontradiz e continua.

- nua e crua

- como um assassinato.

Nessa noite eu atravessei a barreira do insondável ouvindo meu grande amigo em seu devaneio psicótico.

Ele surtou. Meu Deus. Ele surtou.

Oi!

Ou foi eu?

Foi?

No final das contas, como meu amigo, eu resumiria toda minha angústia em pequenas frases com o meu sentido mais íntimo.

A culpa não foi nossa.

A culpa é dos livros. A culpa é do Zizeck e sua visão em paralaxe. A culpa. Culpa.

Onde foi que eu me perdi?

Na noite anterior olhos lacrimejando desreconheci meu amigo, olhei-o nos olhos sem o ver, ele com seu orgulho intocável, sua estatura acadêmica e esquizofrênica bem mais imponente que a minha, ele que é um dos caras mais inteligentes, seguro de si – e portanto às vezes orgulhoso em demasia, ele, quem? Olhei-o nos olhos e continuei a procurá-lo a noite inteira, sem conseguir, até que me rendi a ouvir seus disparates, estirada na cama com os olhos vermelhos de sono, exercitando minha paciência, deixando que seus discursos repetitivos ecoassem sórdidos na minha cabeça, assim loucamente até que me cansei, levei o colchão para o banheiro e lá me deitei, assombrada pela transformação do sujeito em mero discurso insandecido, a descida do consciente ao inominável, os solavancos de um eu despedaçado ante o desaparecimento da censura. Ele me gritava impropérios e eu os escutava como se não viessem dele, como se viessem de um mundo paralelo para além de meu amigo que, surtado, desfilava um sintoma seguramente enlouquecedor diante de mim.

E que fique claro, agora: para ele, a culpa era da televisão, que servia de palco horripilante para toda a carnificina da modernidade, essa loucura cruel que as gerações vindouras herdarão: a que gera moral a partir do mercado.

Portanto: a culpa é dos livros ou da televisão?

Independentemente de tudo, percebo: a culpa era nossa.



in.: os cadernos para mim mesma, 01-02-11

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

cartoema

Às vezes pareço estar no limite: muitas coisas ao mesmo tempo, o meu caos extrapola o aceitável e a angústia latejando no peito. Impossível me desvencilhar dela. Apenas na oração consigo aceitá-la, porém nunca me livrarei dela. Nunca nos livraremos dela, mas é bom que não pensemos nela. É bom que olhemos os novos horizontes com perseverança a salgar a boca. Não há escapatória: vivamos. Atravessando os dias azuis de desilusão, as tardes vermelhas de paixão, as noites brancas em sonhos. Não consigo evitar: a poesia invade a carta e não sou eu que pedi para ela entrar. Ela atravessa minha escrita com passe livre, disfarçada nos mais variados trajes.

Ah, sim. A poesia. Ela me relembra a angústia reveladora de ser homem e mulher. Não preciso explicar: é como se minha barba crescesse a olhos vistos e meu marido fizesse serenatas apaixonadas na madrugada dos meus sonhos mais femininos. De repente me dou conta que é isso: a poesia faz com que eu me encontre mesmo perdida entre as metáforas, mesmo tão dúbia e ilógica, mesmo tão Teresa e tão de Deus.

Amigo meu!



in.: cartas p/ amarante