terça-feira, 27 de abril de 2010

VERÍSSIMO, Érico.

"Um dia caiu um raio na casa do velho Galvão, matando-o e ferindo-lhe a filha. 'Deus castigou. Eles eram muito malvados.' Além do castigo da professora, do castigo dos pais da gente, havia então um castigo maior e mais tremendo - o castigo de Deus?
Eugênio temia esse Deus que em vão a mãe lhe queria fazer amar. Quando à noite rezava o 'Padre nosso que estais no céu...' - ele imaginava um ser de forma humana mas terrível, misterioso e implacável. Era invisível mas estava em toda parte, até nos nossos pensamentos.
(...)
- Se Deus existe, então por que não se revelou?
- Porque até Deus precisa de oportunidades. (...)
- Se Deus existisse, eu já o teria encontrado.
(...)
- Vocês ateus nos querem tirar Deus para nos dar em lugar dele... o quê? É o mesmo que tirar pão da boca de quem tem fome e dar-lhe em troca um punhado de cinza ou de areia.
(...)
- Não te esqueça de que Cristo ressuscitou Lázaro. (...)
- Isso foi no tempo em que Jesus andava pelo mundo. (...)
- Mas Jesus ainda anda pelo mundo. Será preciso que a gente só acredite no testemunho dos cinco sentidos? Jesus nunca deixou de estar no mundo. O pior cego é aquele que não quer ver.
Ele sacudiu a cabeça com obstinação. Não lhe era possível distinguir a imagem de Jesus no meio daquele matagal cerrado de problemas, idéias confusas, conflitos, interesses cruzados, dúvidas e baixezas. E, se Jesus ainda estivesse na terra, decerto como medida de defesa se tinha adaptado à miséria do mundo, como um camaleão. Quis dar palavras a esta idéia. Um secreto temor, porém, o deteve. "


in.: Olhai os Lírios do Campo

domingo, 25 de abril de 2010

descrição

Dentro do ônibus
Balouçando a caneta
E ainda desencontrada
Pela força de ervas sagradas
Cipós de braços milenares
Entrecortada pelo espírito do ônibus
Nessa manhã de domingo candango
Buscando força no sonho
Na luz que por mim atravessa
Os cantos de espíritos ancestrais.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

BRASÍLIA 50 ANOS

A esquadrilha da fumaça dá rasante pelo céu. Sou tomada pela minha tristezaalegre enquanto o feriado no parque da cidade pinica sob a sombra gostosa de uma árvore e eu penosa tento recolher os cacos da minha intrigante história. Com lágrimas nos olhos e sorrisos nos lábios desfaço meu tempo desacreditando no amanhã e buscando toda a enorme força do hoje em que me espelho: reflexo mutante como a Brasília Elefante que se me atravessa com a esquadrilha da fumaça passando novamente no céu que se azula amarelando as nuvens. Que houve com os sonhos de Brasília? Em que latrina deram nossos representantes!
Mas o avião novamente
A ex-quadrilha
De novos candangos
Atravessa o céu da poesia e,
Quem diria
Sonha com dias melhores
Em ressacas de shows gratuitos.
Pedalando bicicletas em tardes verdes
No parque da cidade
Renatando as camelas
Recortando a semântica
Destilando os venenos
Amaldiçoando folhas de arruda
Impotente diante dos jornais
Ouvindo GOG dar idéia
E todo mundo ouvir
E ninguém fazer nada
E beber mais uma gelada
E fumar mais uma marafa
E ninguém sem fazer nada
Os pobres ouvindo, os pobres morrendo
Os ricos sorrindo, a miséria crescendo
E Brasília escancarada:
Babilônia
sodomizada!
Senhor Deputado,
onde quer levar o dinheiro?
No pé ou na bunda?
Meia ou cueca?
Que vexa!
Brasíla 50 anos. Onde sonhastes teus sonhos?
Teus filhos são tão medonhos
Teus risos, aleatórios
Tuas pragas,
licitações roubadas.
Assim termino, com uma trava no verso, diante de meus excessos da vida que me vivi, dos sonhos que deixei desacreditados.
Da descrença mórbida diante do futuro do capitalismo totalitário.
Eu sou Brasília
No verso que é desenhado.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O VIOLETAR-SE

Posso dizer que estou redescobrindo-me e essa é a chance de compreender melhor a solidão e não mais temê-la, pois tudo tem sua razão de ser.

Estou cansada de obsedar-me.

Hoje pela manhã a tristeza soou viciada e cega, inescrupulosa tristeza. Me pegou pelas costas, deu-me uma chave de braço e me imobilizou no chão.

Não é momento de explicar-te: é momento de descrever-te o tom: o tom cinzento azul do momento, em breve violetar-me-ei.

A cura vem de cima e dos lados.

Estou cruzando oceanos de milênios.

As vidas, os castigos, os prêmios.

Transmigrações.


in.: cartas p/ amarante

terça-feira, 13 de abril de 2010

VERÍSSIMO, Érico.

"- Mas vosmecê nunca pensa em Deus?
- Uma vez que outra.
- Não reconhece que Ele fez o mundo e todas as pessoas que há no mundo?
- Se Deus fez o mundo e as pessoas, Ele já nos largou, arrependido.
- Não diga tamanho absurdo! Se Ele tivesse largado, tudo andava de pernas para o ar.
- E não anda?
[....]
- Deus escreve direito por linhas tortas.
- Mas o diabo é que ninguém sabe ler o que Ele escreve."

Diálogo entre o Pe. Lara e Capitão Rodrigo Cambará
in.: Um Certo Capitão Rodrigo.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

contatos

Não tenho mais prisão
Pois o espelho é a trapaça
E o ego a ilusão.
Estou sob ondas de luz sem nexo
Rogando a anjos
Sonhando com rimas
Pedindo cores.
Uma aleluia albina pousa sobre meus pés descalços.
Os grilos me abraçam.

in.: os cadernos da chapada, vol. III

quinta-feira, 8 de abril de 2010

confuso porém incluso

O papel compartilhado com os recados cheios de pressa no despertador atrasado e as letras de música, a suavidade das páginas sendo viradas a cada quebra contextual das páginas: dedos, segundos, olhos. O sussurrar das frases enquanto o tempo passa e o espelho grita sem ser ouvido enquanto a casa é talhada na pedra do ser e os séculos gritam cheios de temor, mistério e, principalmente de, gratidão.

A graça que nos é dada no primeiro vislumbrar da manhã na Terra: odisséia nossa de mundos e vidas. Propagação do amor. Ilimitude cíclica e sísmica.

Eis a humanidade orando frenética no deglutir da maçã.

Somos um e pagamos por todos.

Vivamos em todas as letras em direção ao amor e através da guerra.


in.: cartas p/ natália