terça-feira, 29 de dezembro de 2009

no bar em taguá

Quando encontro com as idéias do meu tempo
Os rockeiros de barba e os manos com o som nos dentes
Os panos se abrindo com as garrafas de cerveja
E as idéias do underground rosnando em guitarras
Tenho vontade de gemer de alegria
E sugo os sabores da noite urbana
Com os radares ligados: o inimigo não chega aqui vivo
E se chegar puxamos a cadeira e o bicho se senta
Não importa se o desafio é perdido:
As esquinas trazem o consolo dos brothers
Somos selvagens de calças jeans
E temos todos os futuros pela frente.

domingo, 6 de dezembro de 2009

elocubrações filosofais

A morte é a passagem para a ausência de tempo. Quando nascemos, é como o tempo que nos tornamos mulheres, homens, seres. Nos percebemos. Somos e convidamos o pensamento a trotar por terrenos diversos. Somos dentro do tempo e através do espaço.
Quando morremos, saímos do tempo e adentramos a realidade turbilhônica e estática do instantâneo.
Sim, é o tempo que nos traz a vida e ela em nós cultiva. Quando ele nos abandona, somos tragados pelo mistério da morte.
Bendito e maldito tempo, que tudo nos dá e facilmente nos tira tudo.
(...)
Sim. Eis me viva como o vento que sopra sua respiração deliquescida. Milagre do encontro com o além de mim que a mim convida: sinta, a brisa nos traz frescor, ela alivia os terremotos. É o descer do dia trazendo o seu bafo frio.
O fim da vida é como o fim do dia: fogo que se apaga sem quê nem qual.
(...)
Sim. Sim. Estou mais próxima de tudo. Próxima de meu escuro ensurdecedor.
Limitude. Eis minha verdade dolorosa, avassaladora como a morte...
(...)
Nem deus conseguiria me dar o tudo.

in.: cartas p/ clarice

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

sobre a vida e a morte

10-10-09


Diálogo com Rick


“A gente vem sem saber por quê

E a gente vai sem saber pra onde”

domingo, 22 de novembro de 2009

O SINAL DOS TEMPOS SEM DATA

Oh loucura vil dos homens, lançados a suas paixões passageiras como se condenados ao abismo da morte, quando na verdade não percebem que a morte é o caminho turbulento rumo à eternidade e que na verdade é a vida o verdadeiro mistério, a ardência incessante, o fremir do martelo do juiz invisível.
Mas eis nos: sedentos de sonhos como se de água, a procura de um ego como se de deus, movidos por nossas ilusões inventadas, rasgando mandamentos de pedra, apagando os ecos das orações pronunciadas, derrubando cruzes.



in.: cartas para helô

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

PROFECIA COTIDIANA

Agora, amiga, eis a primavera chuvosa de Brasília. Sinfonia de cigarras e árvores de flamboyant. O esverdear dos gramados geométricos.

Nessa manhã cinzenta Deus veio falar comigo através da minha própria boca. Ele dizia da dor de adorar a si próprio, a maldição do espelho, ao mesmo tempo em que me lembrava da liberdade de ser instante, de pulsar em coração e alma. Pela minha boca saíram palavras com o peso dos séculos. ALLAH! Deus fala na língua dos homens, árabe, hebraico ou brasileiro, e eis que eu agradeci pelo poder da respiração que sopra a palavra: AMÉM, Deus é a força que emana do um para os muitos e em direção ao todo inexorável.

Eu nessa manhã pedindo força e empurrando os minutos com as pálpebras cansadas e os pulmões atordoados de tantos cigarros e a mente frenética e o frio na barriga que quer descanso numa cama macia.

Ui. Que letargia. Daí-me forças, senhor.

Pois tem sido assim, amiga. Um desenrolar exasperante de dias. Perdi a a autoridade sobre mim mesma. O tempo me engole e Deus me ampara.


in.: cartas para giuliani.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

no durante era o verbo ou sobre deus e monoteísmo

Gabi. Turbilhão. Eu frenética. É que sou sentimento e quero abraçar o mundo inteiro: quero entendê-lo, deixar que me tome, me use como instrumento: eis Deus sendo todo poderoso, conceito que me invade: é triste, mas vivamos pois ao menos podemos orar e pedir ajuda, já que estamos sós e desesperados e todas as luzes se apagaram, veja, eis que surge a luz e é a palavra, o verbo: palavrear sem freios, deixar que a idéia surja e a esperança resista.


Fim. De novo.

Gabi. Turbilhão. Eu ...
(...)








in.: cartas para g. branquinho

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

carta relâmpago para amarante

Amigo Henrique Machado Amarante.

Por favor, lembre-se: a vida é curta e não há tempo pra besteiras.









Um beijo e um queijo cheiroso.

P.S.: é que tenho que fazer tantas coisas que os espaços em branco se me tornaram tão desejados!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

cartas p/ g. branquinho

Eu me leio tropeçando feio já aos 26 anos de idade, a casa vazia, os olhos vacilantes, a solidão cavalar: troto sozinha os mundos que sem perceber invento. E tem sido ventos de esfriar as lágrimas, terrenos acidentados, tepidez desértica arrebatando a alma. Aprendo na marra: meus dias são só meus, carrego-os nos ombros, estou sonora pois choro os rios que em mim deságuam: anos e anos de humanidade acumulada latejando no meu sangue que nesse momento vive.

Sim, eis o meu sangue que vive vermelho e que morre logo ali, como se simples assim fosse.

Mas não é. E infinitas idéias vivem no meu sangue que pulsa através do tempo.

Estou

ficando

louca

com tantas idéias.

Não que seja verdade que eu realmente esteja mentalmente lesada, mas sim, estou enlouquecida. Não me caibo em mim, mais do que nunca tomada por minhas fraquezas e sustentada pelos meus sonhos vagos.




sábado, 24 de outubro de 2009

POESIA DA ROTINA DIÁRIA DO MEU TEMPO

QUERO ESCREVER A POESIA DA NEGRA ESPERANÇA
ONDE OS SONHOS CARREGAM GRILHÕES E SE ARRASTAM
ANTE A VISÃO MÓRBIDA DO PRESENTE.
AS VOZES QUE SÃO CALADAS
A MELODIA TRISTE DAS ROTINAS DIÁRIAS
DE HOMENS E JORNAIS.


In.: cartas para o maestro.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A TECER ILUSÕES ... ATÉ SER ILUSÃO

Bem diante de mim minha verdade escancarada:
Foi pra isso que vim: para ter a missão num abraço
E no regaço o descanso do próprio destino,
A manhã se abrindo ou o sol a pino,
O amor platônico ou a paixão inventada
Com café bem forte ou chá de jasmim
Diante de mim num sorriso o cotidiano aberto.

Pois a poesia vibra vida nas notas de um violão
E na mão que treme um verso desescondido:
Despertar do dia na alegria simples de uma rima,
A mesma que ensina
A supremacia da beleza entristecida
Que observa a tecitura de todas nossas ilusões sublimes.


Alinhar à direita
in.: cartas para helô

sábado, 17 de outubro de 2009

diálogos na internet II

PAULO diz:

O FUTURO NAO PERTENCE A NOS

ELE É QUE É DONO DA GENTE

Gertrud diz:

eu não sei disso

ele quem?

PAULO diz:

O FUTURO

NAO O CONTROLAMOS

Gertrud diz:

ah sim

eu pensei q fosse deus

pq o futuro a deus pertence

PAULO diz:

ENTAO SE PERTENCE A DEUS SOMOS SÓ ESPECTADORES

Gertrud diz:

tipo isso

mas não só espectadores pq tb somos personagens

PAULO diz:

SOMOS PERSONAGENS MAS NAO CONTROLAMOS A HISTORIA O TEXTO JÁ VEM PRONTO

Gertrud diz:

mas todo ator que é ator sabe improvisar



quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A KHOLSTOMER DE TOLSTÓI

(mais um pôr-do-sol no monumental)

Quando tenho pena de mim mesma
Sofro como uma égua velha
Que come devagar e tristemente
E leva a barriga imensa pesando nas costelas
Como se carregasse dentro do ventre
A própria dor do deus que foi perdido.
Depois da pena, segue o desleixo
E no meu corpo gasto e abandonado
Meus pêlos pendem animalescos e indispostos.
Como uma égua velha durmo em pé
Apagando a vida e procurando o sonho.


in.: os cadernos de brasilha, 29-07-09

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

os trotamundus

saudades bem cabeludas: olhe que belas

pernas que correm nuas no campo isolado

pés que tocam tambores com o chão

palavras que inventam viagens

andávamos e portanto andarilhos

nesses mundos nos deixamos assim

na medida em que vinha o vento


ao pararmos era longe e olhamos para trás

não havia volta: às costas

nosso destino nos esperava:

junto a um cavalo selado

as roupas e o livro em branco

prestes a ser escrito


Trotamundus! Eia,

Aqui é além

Os laços também são nós.


in.: cartas para felipe lott

sábado, 10 de outubro de 2009

POEMA

Solitária escrevo para qualquer um que compreenda:

A vida é uma bruta duma contenda.

Uma disputa entre o claro e o escuro.

Por vezes as trevas comandam

E a alma às cegas apalpa navalhas

Feridas que desnorteiam os destinos.

A escuridão onde se escondem rancores e mágoas.

Em outras: eis a luz: a alma que abre a janela.

Lentamente, o desvendar do segredo da cela:

O túnel que guia à liberdade...

Caminho estreito e longo na direção do oblíquo.

Luz que me guia através do escuro.



in.: cartas para dra. L.



sexta-feira, 2 de outubro de 2009

pôr-do-sol no monumental

Eis a vida: ela nasce e cresce, simples assim.
Nesse interim, eis-nos. Nunca os mesmos.
Pela manhã berramos a fome: queremos
Peito no nosso peito, alimentação de calor.
Ah, a dor do primeiro corte, a eterna separação
De si mesmo no outro.
Aberto ao contrário: somos os assassinos
De nossos próprios desejos.
Não temos idéia da grandeza que somos
E pela noite morremos
Como se começássemos a sonhar.


in.: os diários de Brasilha, 09-09-09

terça-feira, 22 de setembro de 2009

SOBRE EUS E SENADORES

Ah, a literatura é academia que é quimera diante da vida ególatra que quer gritar: mulheres e homens de toda a Terra, uni-vos em prol da vida! E eis que o coração pulsa e a alma sonha e quer desconjuntar a superestrutura desse nosso atual sistema pseudo-democrático, essa democracia que nada mais é que uma burocracia do demo, onde satanás com seus belzebuzinhos faz morrer milhares para apadrinhar alguns que jogam dados e decidem vidas e leis, sistema de apostas de vaidades e de joguetes de poderes, colarinhos roxos (de falta de vergonha) e presidentes do senado ilesos saindo com os rabos escondidos dentro das calças nos carros oficiais para os apartamentos funcionais para as milhas e milhas de viagens para toda a família: Sra. Senadora, Srta. Senadorinha, Senador Jr., Vovó Senadorona, Genro Senador e Nora Senadora, sobrinho Doutor Senador, Dona Senadorinha, e tantos outros da mesma estirpe, sustentados pela ruína moral de um país inteiro.
Eis a burocracia da pseudo-democracia do demo, o povo. Que povo é esse que acata isso? Que povo é esse que se vende por isso? Não é o mesmo povo das escolas negligenciadas deliberadamente e dos hospitais sem leis e das periferias explosivas, enfumaçadas de pedra e descaso? Ou o país dos interioranos sem água mas cheios de esperança nas promessas dos crápulas de gravatas que enchem suas piscinas com água mineral e cheiram cocaína no lixo da nossa Constituição? Sim, eis o país que fazemos e que fizemos desde tempos irrefletidos, perdidos na nossa memória coletiva, nossa história de reis, coronéis ou senadores, quaisquer desses déspotas sem vergonha que comandam prefeituras, berçários, delegacias, tribunais, secretarias.
Que mundo é esse que construímos?
Amiga engenheira...
Roguemos às pedras dos túmulos de Che Guevara ou Ghandi, esses homens sem túmulos, sim, roguemos às pedras da Terra que engole os corpos físicos mas que absorve também a energia de toda a nossa história; que a utopia viva e a mudança aconteça, primeiramente dentro de nós.
Eu vivo para procurar a cura.
Eu acredito em milagres.
Que a humanidade renasça outra vez.


in.: cartas para vivi

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ciborguear guerreando e cagando

Às vezes escrevo não para tentar fazer poesia ou divagação filosófica, mas simplesmente para entrar em contato com algum ser humano, um contato físico, pelos átomos do papel e pela emoção da caligrafia, um contato que ecoe o incrível da experiência humana.

Sim, ser humano humano humano e desconhecer o que é humano... Ser pulsão e irracionalidade e pensamento e ciência. O que é Deus? O que é universo?

Amigo! A filosofia não comporta a magnitude infinita do universo, muito menos a ciência o faria!

Mas a religião aponta um dos caminhos: o espírito é necessário e a humanidade não deve compartimentar seus conhecimentos: a transdisciplinariedade, contudo, existe?

Como conhecer sem criar um ponto de vista?

Para ler Machado ou Huxley, preciso ter a literatura em vista?

Para ler o mundo, só a antropologia basta?


O mundo está mudando freneticamente. Vivemos a era intensa da revolução digital e tecnobiológica (genética!). Mudamos paradigmas em questão de décadas. Cagamos nas mesmas instituições que ajudamos a criar. Comemos lixo. Assassinamos nossos descendentes e desrespeitamos nossos ascendentes. Maculamos nossa própria casa e jogamos pedras nas dos outros.

Onde paramos? Já nem sabemos mais porque ir.

Que geração é essa, que consome todas suas esperanças em janelas de computadores?



In.: cartas para o filósofo

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

a invenção de nós mesmos

Não. Não melembrodosmeussonhos.
Mas abro os olhos para a realidade lancinante da vida: nada vale a pena, nem uma palavra, nem um poema. Não existe pena que valha, apenas somos todos tragados pelo movimento pendular da vida. Ela nos empurra para cá e para lá, num ciclo indefinitivamente, até que o cordão arrebente e cortemos qualquer ligação com essa existência misteriosa.
Sim, nada vale a pena até que inventemos algo fantástico que nos faz permanecer vivos como sombras fantasmagóricas que somos: meros bibelôs do universo, enfeitando uma sala de visitas que não reparam em nada. Passamos pela vida como bólidos que se dissipam deixando um rastro que também se apaga. Somos marionetes manipuladas pela mão do invisível que nos engole.
Assim, então, que invento hoje para valer a pena? Brinco com a esperança dissimulada que tenta ser verdadeira dentro de minha fantasia. Olho ao redor e percebo os homens: estão vencidos, comprados, corrompidos pelos seus próprios desejos. Então eu choro e percebo que minha invenção é como um brinquedo para alguém que já cresceu: nada mais sem propósito, porém dotado de alguma beleza nostálgica e impertinente. Minha imaginação também se corrompeu e eu jogo com os dados das Parcas, que, sorridentes, engendram meu destino de vivente fugaz que se apaga no tempo irrefletido.
Observo minha vida: não há propósitos e nem destinos. Apenas. Caminhos.


in.: cartas para amarante, o machado

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

garimpando destinos

Sim, sou como ele e como vários, eu, ele, nós, vocês, todos. Uma humanidade inteira numa ínfima faísca de luz que nasce no tempo. Assim como se Deus quisesse algo, eis Adão surgindo e comendo com Eva. Eis o desejo que escapa por entre os dedos de Deus só para ser pego logo ali, como se Deus tivesse mãos.
O universo é o meu eu ao avesso. Tantos universos! Incontáveis eus passageiros, boiando na essência do cosmos! Oh, matéria inapreensível, energia inabalavelmente misteriosa!
Quem disse que não há destino, quem falou? Que destino ingrato esse do que não tem destino, se movendo ao léu em meio a uma indefinição avassaladora! Ah, abismo de escuros, explosões dolorosas de luz, ah, incoerências!
Mas no meu palco eis o enredo já escrito, na antesala entre a realidade e o teatro, no interim entre o tempo e a imobilidade. Eis o intervalo enigmático onde deita a vontade de Deus.


in.: os cadernos da chapada - 21-07-09

terça-feira, 8 de setembro de 2009

subindo a antena de são jorge, GO

A manhã já passou. Eu espero a onda do dia que vem me beijar devagar, como se eu fosse praia... O salgado do mar me vem à boca: é a brisa que sopra metáforas no meu rosto.
(...)
Pôr-do-sol na antena de celular. O laranja que se dissipa, o azul-lilás, sinestesia silenciosa.
Pássaros muitos pretos e marrons.
Estranhos que vêm e se vão como se nunca houvessem existido.
Sim, sim, sim, estou aqui mesmo como se nunca estivesse, estou e estarei.
E cada lágrima é um sorriso a menos
Ou um ensinamento a mais.


in.: os cadernos da chapada, 22-07-09

terça-feira, 1 de setembro de 2009

carta p/ g. branquinho

Se eu te escrevesse algo sobre o amor seria que os relacionamentos humanos, principalmente os que envolvem sexo, são todos problemáticos e inexplicáveis, e por isso mesmo acabam por trazer muita dor de cabeça e, principalmente as, fincadas no coração.

Homens e mulheres são todos muito vulneráveis e por isso mesmo egoístas, por vezes cruéis sem nem o saber.

Mas sim, como é bom sentir no peito a leveza pura e simples dos apaixonados...

E, no entanto, eis-nos amigas e mulheres que amamos demais às nossas maneiras, completamente conscientes da insanidade imoral ou doentia desse amor de querer ter, possuir entre os braços, acalentar no regaço, dizer o que quer que seja, amenidades...

E de repente a quebra: por um motivo ou outro, nós impedidas de amar esse ou aquela, indefesas, vencidas pelas conseqüências da vida.

Mas persistamos. A esperança é o dom eterno.

Não sei o que é escrever cartas, Gabriela.

Sigo a linha da vida e ela grita.

Passarela onde desfilo: parágrafos.

Quartos que se abrem para que estranhos entrem.

Sejam bem-vindos ao submundo de mais um de meus eus.

Líricos.

Versos ricos como os lírios do campo

Amplo

Paráfrase sem licença: pena sem juiz: roupa sem costura.

Qualquer palavra que se sinta...

Seja bem vindo, seja bem-vinda.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

o afogamento da musa

No fim da linha da estrada some minha amada que se afoga detrás do horizonte. Nunca mais a verei como a vi sem nunca conhecê-la verdadeiramente mesmo com o meu corpo inteiro a cantar o seu nome impronunciável. Ela que não era bela nem feia nem era qualquer qualidade aquém ou além do sublime. Ela que existiu somente nos meus sonhos mais espontâneos e livres. Ela que foi-se embora por detrás do horizonte sem me dar o sabor de um beijo sequer.

in.: os cadernos da chapada

domingo, 23 de agosto de 2009

O CAMINHO PARA A ALDEIA DA LUA

Andar sozinha no mato e não chegar a lugar algum além do próprio horizonte individual. Percorrer página e páginas de um livro e não ler história alguma além da própria estória, em cada entrelinha, em cada reticências...
Sim. Eu me tenho desesperadamente e sinto o ar do pomar inexistente que existe em minha casa amarela deitada no vale aberto de meus sonhos.
Hoje o dia passou sorrateiro... Andei solitária pelos caminhos que cortam a terra e segui os vôos das borboletas, a natureza brincou comigo em seus enigmas silenciosos. Ao mesmo tempo, sua orquestra de sons verdes preenchia meu derredor de modo solitário e ritualístico. Cada passo meu era uma oração inteira. Eu senti a tristeza do leito do rio que se deitava melancólico sobre as pedras.
Era lodo e frio. Já o cascalho era seco e tilintava quebradiço. A umidez das baixadas tinha os cheiros da minha infância. Uma flor vermelha piscou pra mim.
Feliz fiquei. E assim mesmo chorei.


iN.: os cadernos da chapada - 19-07-09

sábado, 15 de agosto de 2009

DIÁLOGO COM MENIN

- Olha o rio!
- Olhei. E agora?
- Agora já é outro!

In.: os cadernos da chapada

terça-feira, 11 de agosto de 2009

SOB A GOIABEIRA COM EXCESSOS DE LINGUAGEM

Sento-me sob a goiabeira. Respiro os segundos.

Estou sorrateira: é um gato no escuro,

Um rato entre os esgotos.

Sento-me sobre os significados:

São desperdícios, são inovações, são qualquer coisa.

Peças que não se encaixam na estrofe que quer dizer tudo.

Outro rato me desafia ligeiro: hei-lo, cinzento.

É o sol que se esconde atrás das nuvens.

É o amor que tenho e que esqueço na gaveta do porão.

Sento-me no nada: flutuo entre as coisas e a semântica é quimera.

Olhe: ali alguém morreu e aqui sua alma reverbera.

Há segundos entre os versos: eles se desprendem da intenção para encontrar a dúvida criadora.

Santa ignorância, essa dos poetas que não sabem o que dizer

Mas sentem. Sinta como sentem: furor de sensações, lágrimas que dizimam.

Há um deles dependurado pelo pescoço na árvore dos românticos.

Há outro emendando migalhas de palavras no salão dos modernistas.

Mas estão todos com o coração desenhado nos rostos contraídos

Os poetas traídos pela sombra da goiabeira que não sabe o que dizer

Eles que perscrutam ratos e cobras, gatos, ornitorrincos, antas.

Poetas com signos nos dedos e incongruências cósmicas na alma

A ouvirem o rugir do silêncio.



In.: cartas para dra. L

domingo, 9 de agosto de 2009

AGOSTO/2009/BSB

Por mais que eu me esconda de mim mesma, sei que tudo aqui se remete a mim.
Sim. Pois nada me pertence e tudo é me dado
Como Deus numa bandeja ou a morte dormindo ao lado, eis.
Sim. Esiseis esis eis
Eis
Que Qualquer Coisa
O Pó da Estrada.
(...)




Meu querido pai.
Tudo que escrevo é pra
Vo6 2.
Feliz todos os dias.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

mais palavras

A noite cai. Eu caio junto. Esperando o sabor das estrelas.

Espero o tambor tocar na minha goela e a voz gritar:

Palavra! Chuva cósmica a descer no manto da noite infinda...

Venha dar lugar à minha cadeira de poeta.

Minha vida entorna mistérios: são sonhos e desavenças,

São ritos inquestionáveis,

Peças que desencaixam.

É o leite entornado no chão e o pedido de socorro.

Palavra: traga-me Deus de bandeja pois ele almeja

Ser presença

Ou desavença,

Repetição,

Pecado,

Sexo.

Amargo.

PALAVRA! Diga-me, quem vem lá?

Combinação mágica de fonemas que significam minha vida e

A vida daquela menina que acabou de passar

Inocente no meu horizonte simbólico

De areias que se escorrem em ampulhetas

Que se derretem no nada

Que prenuncia o fim do poema

E a redenção da palavra

Que anseia ser eterna

E morre com minha vida nos braços

Que lânguidos caem com o último suspiro

Da última,

Palavra.



In.: cartas para o professor

sexta-feira, 31 de julho de 2009

SEM TÍTULO

A noite desceu indistinta.
Sem perceber sorvi de sua escuridão devagar.
De repente eu era a Lua que desaparecia
De um lado do mundo para reaparecer em outro.
Mudei de face.
Enchi-me da cor dos astros
E adormeci noturna.

In.: Os Cadernos da Chapada

quinta-feira, 30 de julho de 2009

OS SETE CAPITAIS

Imagine: o ensino superior. Que indústria, hãn? Como as instituições de saúde ou as igrejas: todos vendidos a um preço de mercado, ações fantasmas, estagnação humana.
Há uma verdade monetária em nosso cotidiano. A luta pela sobrevivência pressupõe o lucro. Tempo é dinheiro. E dinheiro é negócio que é propaganda, a alma. PU – BLI – CI – DA – DE ! ! !
Vendamo-nos pois queremos sucesso. Sim! Carro modelo seu e casa arquitetada especialmente ao sabor do seu gosto. Sim! Pessoa bem sucedida não espera ônibus. Sim! Eu quero ser califa no lugar do califa!
Compremos os títulos! Ações! Mentiras!
Bem vindo ao paraíso dos 7 pecados: os capitais. A SOBERBA desfila essa noite, venha participar dessa espetacular experiência de sondar o insondável e querer o impossível que se faz palpável.
Compre pecados a prestação. Via internet você os recebe.
Oh, GULA! Delícia de visão nos braços da LUXÚRIA, mulheres minhas de aluguel. Beijam-se em lençóis vermelhos enquanto ORGULHO as observa com os olhos lacrimejantes a olhar a tela da câmera digital. Sim, elas se beijam e se entrelaçam nuas, únicas na noite cheia de soberba.
“-Beba!” – sussurra-me no ouvido, a AVAREZA. Como se lhe assaltasse um surto de generosidade, ela quer me conquistar, estou lisonjeada. Bebo: o vinho é profundamente vermelho, meus lábios se pintam de doce e eu me deito com ela. É a cama que abriga um terremoto. E eu que me mergulho nela. Fim. Alvo reto! Gosto meu cheio de primícias peculiares. Ela que me suspira! Ira! IRA!
E por fim, a PREGUIÇA, deitada nos meus sonhos a dormir profundamente.
iN.: cArtAs P/ HelÔ (RevIsItAdAS)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

ovoNovo

Escrevo-te pois soa em mim o timbre do estranhamento:
Tudo é Nada e é Novo, de Novo, Ovo.
Coração descompassado: quem é ela?
É a árvore? A espera?
É Letícia? Daniela?
Não, é ela. Que zumbe voando rasante para além de meu ouvido:
Ela sem nome, sem umbigo.
Um raio de sol ou gota de orvalho,
Um novo andar por um novo assoalho.
De madeiras milenares
De estórias incontáveis.
Ela invisível que ruge no verso,
No avesso do inverso,
Do poeta que vive.


In.: cartas para felipe

segunda-feira, 22 de junho de 2009

mais tecitura de signos

Procuro as palavras e encontro barulhos: bater de picaretas, soar de vozes, explosões de neurônios. Dendrito, axônio, núcleo, dendrito. Palavras e líquidos, livros, idéias. Eu vejo a face da morte por detrás da máscara do espelho. Não há imagem sem dualidade, e o dois é a morte do um. Procuro as palavras e encontro os números, as multiplicações dentro dos integrais, o big bang desmascarado, o mistério do mundo desvelado pela matemágica do pensavento, ou algo assim.


In:cartas para heloisa

quarta-feira, 17 de junho de 2009

a alma, o espelho, e deus

"The mirror is round and entire, he said: like a soul that is in union with God. The soul reflects the dazzling beauty of God. In so far as the soul turns towards this beauty, it participates in it. By receiving the image of God it is transformed, and ends up sharing the very beauty it has sought and to which it has opened itself. God becomes part of the soul.
(...)
Why are we so often frightened to look for long into our own eyes in a mirror? Jesus asked: is it beacause we fear to see God reflected in there? We must learn from the woman, to look into the mirror more."

"O espelho é circular e inteiro, ele disse: como uma alma em união com Deus. A alma reflete a beleza deslumbrante de Deus. Assim como a alma se direciona a essa beleza, ela também participa da mesma. Quando recebe a imagem de Deus, a alma se transforma, e acaba por compartilhar toda a beleza que procurou e para a qual se abriu. Deus passa a ser parte da alma.
(...)
Por que frequentemente nós temos tanto medo de olhar para nossos próprios olhos num espelho? Jesus perguntou: é porque nós tememos ver Deus refletido lá? Precisamos aprender com as mulheres a olhar mais no espelho."

In.: Wild Girl. Michèle Rogers.
Tradução qualquer

domingo, 14 de junho de 2009

desromantizares

Mas vivo a geração que não sabe amar. Não sabe porque a todo momento quer reinventar o amor: os corpos suados, os parceiros postiços, as relações descartáveis. Vivo a geração do amor camaleônico de cama e banho apenas, a geração dos que fazem das relações pequenos jogos de interesses ególatras: vivo a geração dos homens e mulheres que se perderam de Deus para se encontrarem a si mesmos.
E no espelho viram os olhos do Senhor.


In.: cartas para o único reich

segunda-feira, 8 de junho de 2009

boneca de retalhos de palavras

No domingo eu tô fumando e fumada tomo o comando do avião que são as linhas cruzando o céu azul e branco do papel que diz qualquer coisa sentimentada e

Pára. Sonda. Sonha. Gira.

Estou dançando com a espanhola de cabelo de cetim e pele de veludo, lábios bordados num vermelho azul que se escorre por todo o seu corpo de boneca.

Ela foi costurada com palavras e nunca terá vontade própria. Ela é o recorte desferido no meu rosto exposto em lágrimas: ela se chama Emilia e é o meu amor deitado morto pelo azul da hora de crescer: adeus, brinquedo e olá, guerra.


In.: cartas para clarice

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A FRONTEIRA

A vida, tão frágil. Sento-me sobre os restos do meu dia.
A morte ágil a tricotar ciladas com dedos maquiavélicos.
Meu olhos cantam o medo: já estivestes na fronteira de
Perder alguém?
Assim, sem mais nem menos, alguém a menos em tua
Vida.
A morte, a armadilha, o precipício aglutinante da dor,
A sepultura diante dos olhos incrédulos, a injustiça,
O desespero.
Eis logo ali o fim da travessia, da nossa irmã,
Da nossa vida com ela, eis a despedida, ai.
A fronteira de perder alguém me alcançou, meu peito chia.
Senhor, me ampare, eia, adeus,
Morrerei também com ela pois ela
Morrerá em minha vida.
A vida nos constrói as tocaias, é ela. A morte só espreita.
Não crês no invisível, não te toca a fragilidade?
Eia, adeus, o fim do poema propaga a idéia
E a alma se liberta para reencontrar o mistério.


In.: cartas para o menino meu, o machado amarante

quarta-feira, 27 de maio de 2009

a voz da criança

“Eu acho que deus não terminou de criar o universo

Porque o universo não tem fim

E deus ainda está criando novas coisas”

(“Toque de criança" – Casa Redonda – Carapicuíba - SP)

terça-feira, 26 de maio de 2009

CONSTRUTIVISMO

Provoque. Provoque, coloque em xeque, desconserte.
Enlouqueça e incite o enlouquecimento, ironize,
provoque outra vez de novo ao contrário do avesso,
Faça com que surja o imprevisível.
Mobilização interna.
Já tenho o fogão, a cama e o cobertor na sala da mente.
Avante e rente, crie respostas, ouça, veja.
Pare. Erre. Pare outra vez. Erre de novo.
Faça a curva e curve-se, leve-se leve.
Deixe-se ser tomado.
Plane sem plano.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

carta p/ a dona do lago

Venho dizer que sou uma farsa que persiste adiante criando mundos. É uma tarde triste, uma garota dobra barquinhos de papel para jogá-los da janela do oitavo andar. Os rios secaram, a criança é presa de seus próprios desejos. Barcos de papel não voam, a garota me chama com sua voz de mármore sonoro. Ela é mais alta que eu, ela tem um balançar mais feminino. Mas ela não sabe, não sabe que o papel é dúbio, os rios secaram, é inútil debater-se pois os barcos não alcançarão os portos.

Mas a garota me chama, ela é sonora, sua voz me perfura. Não sei o seu nome mas vislumbro o papel que ela encena: está desejosa, me acena carinhos, tenta soprar meu suor. O papel ela dobra em barco e me lança através da janela. Ela quer beijar mas, muito mais, ela quer falar para se mostrar máscara, ela vem dividir a farsa comigo que aceito passiva sua intervenção dobrada em silêncio.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

carta p/ g. em março

E, afinal, por que vivemos? Que desígnios intermináveis residem no intervalo de nossa existência? Hoje passei o dia dentro de casa e me senti inútil e confortável. Estou vendo a vida passar e assumindo minha ordinariedade intrínseca. Ser humana e padecer no inferno e mesmo assim ter tempo de inventar algum paraíso.
A vida é tão frágil... Um simples desarranjo orgânico e eu sou tomada pelas garras da morte... E quando eu morrer pensarei novamente: por que vivi? E a resposta não virá pois não terei mais tempo para pensar. Padecerei. Desaparecerei. Não ouvirei os lamentos dos que me amaram. Não decifrarei o mistério da vida e adentrarei o mistério da morte tão ignorante e inocente quanto quando nasci.
E então! Que melancólica essa existência! Que construir, se tudo será destruído inevitavelmente pela ação do tempo? Que buscar, quando o corpo está cansado e a psique abalada? Que fazer, amiga, senão viver e suportar uma existência inteira?

quarta-feira, 6 de maio de 2009

abelhas e bestas

Mais um dia trespassado por entre meus átomos, esse dobrar de ângulos e papéis que é o tempo nos abocanhando e mastigando e cuspindo fora para abocanhar de novo num movimento acelerado que aponta para o apagamento de sermos finalmente engolidos e passarmos ao interior da escuridão do tempo que nos toma de cabo a rabo.

Estou abestalhada. E não sei se sou eu ou é o mundo, pois tudo se confunde. Estou abelhas.

A besta existe, tem chifres espiralados e lúgubres, e um sorriso escancarado, ela existe e tem olhos vermelhos e ela sai voando com rabinhos de capeta a balançarem no traseiro empinado, numa dança de cadeiras atrevidas e zombeteiras.

Estou abestalhada. Abelhas e bestas me invadem.



In: Cartas Para O Menino Meu

sexta-feira, 24 de abril de 2009

palavras ao vento

Desserenizo-me. Estou à deriva e quero desafiar o equilíbrio das coisas: trêmulas sombras no limite dos corpos. No horizonte a manhã se colore sombria e cinza, o sol se esconde com medo da densidade da chuva que vem apagar o fogo. Escureço ao redor. Gris melancolia trazendo o tom da minha imaginação criadora. Mais tremores nos limites das coisas: é meu coração que pulsa ou o derredor que sopra? É a maré dos ventos me bombeando vida pelas veias, a força do invisível a habitar os vãos de meu eu.
Meu corpo sonha uma alma. Ela tem um rosto de Lua, iluminado e pálido, cheio de solidão. Meu corpo sonha uma alma. Seu corpo são raízes infiltrando-se na terra úmida e fria que se abrasa com a vida que invade. Sonhos de resgate, desejos de dissipação. Meu corpo imagina o intangível que se solidifica no material onírico que nasce com o balançar das árvores do meu jardim. Ela tem os gestos verdes e o semblante carregado de placidez. Eu a procuro.


In Cartas para Heloisa Árvore

domingo, 12 de abril de 2009

DYLAN THOMAS

Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a luz se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo salário mínimo
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da luz enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.


Tradução de Ivan Junqueira



(...)
(presente que mamãe me deu)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

continuando a carta da tristeza....

(...) ainda erro, erros, como errando pelas linhas e escutando o semáforo do Vanguart me lembro das vanguardas dadas surreais que despedaçavam a arte e percebo que na literatura eu coloco música e sou teatro pois permaneço esperando Godot e acredito no relógio mas sei de sua efemeridade pois o tempo é só estória e a história é dos vencedores, porra, e quem disse que eu quero compactuar com isso, com essa dinâmica torpe desse mundo de vencedores raros e hordas infindas de perdedores que choram a morte de um filho ou a injustiça de um P.M.? Me diga: quantos são corruptos? Quantos não o são? E os que não são, ainda estão vivos? Me diga: por que o umbigo? Senão para que olhes sua inutilidade, seu mero aspecto ornamental, o umbigo ego que cega qualquer um que viva nesse mundo de outdoors e jogadas de marketings pessoais.

A História e a Literatura são vozes dos vencedores.

Mas a Literatura ao menos humilde tenta chegar à voz dos todos outros perdedores, que ficaram sem voz diante do meritíssimo juiz da comarca.

Eu perco. E luto. Gosto do povão. Acho que sou um deles, mesmo burguesa nascida que sou.

Amigo meu. Hoje sou perdedora. Perco a fala diante dos maurícios e patrícias dessa vida.

É isso. Nunca quis ser Patrícia! Sou introvexa! Cancerígena! Caranguejeira! Puro veneno, emoção, sentimento! Sou a cadeia montanhosa de signos em avalanche de pedras atravessando as linhas e destilando o soro antígeno da cura que tenta chegar através das palavras.


27-03-09

segunda-feira, 6 de abril de 2009

a tristeza

Hoje estou triste. A melancolia de todos os meus ancestrais reúne-se nessa noite para tomar-me por completo. Percebo-me como nunca antes: sou temor e resignação, sou rendição, sou lágrima. Sem motivo aparente, mergulho em sensações tenebrosas, desenho no livro de minha vida o símbolo da derrota: gemidos de traços trêmulos, corações expostos, desesperança aglutinante de todos os males. Eis-me no hoje triste. Estou desistente, chorosa. Não creio mais nem na palavra: morro no ponto final.
Ah! O que acontece é que não me encaixo na dinâmica exasperante do mundo e então ela me sufoca e eu quero que tudo desapareça. Tenho vergonha da máscara social que uso mas mesmo assim não tenho condições de outra usar. Isolo-me cada vez mais, pois as pessoas me acuam, suas palavras são como monstros que me envolvem ameaçadores, seus olhares são dardos alvejados contra minha frágil configuração: sou a estranha dos dedos de contorcionista, a doidona da risada escandalosa, a moça de quem não sabem o nome. Sou o ápice do uncool, o apogeu do mal-gosto estilístico, o vértice da sem-gracice. Sou a pessoa que se esconde atrás dos estereótipos mas que os carrega como armaduras incômodas, uniformes sem brilho. Sou isso, sou aquilo, e sigo só e sem nome de renome, sem estrela na calçada, sem outdoor de promoção. A ordinariedade me trespassa, ardo de rancor para comigo mesma, carrego anos de decepções amorosas e séculos intermináveis de solidão. Revolto-me mais uma vez contra a dinâmica do mundo e do meu rosto descem lágrimas e gritos de desespero: tudo é em vão para mim, mesmo não o sendo para o tudo! Minha vida, peça dolorida no tabuleiro imaginário do jogo que deus joga com o diabo.
Ah! Tudo queima, arde como sal na ferida, rasga como hemorróidas lambuzadas de bosta, tudo fede e machuca como as palavras dos inimigos, tudo aponta e acusa como as mãos dos judeus que mataram o Cristo, tudo anseia eternidades e chora pecados... Tudo me magoa e é minha própria mão que balança o ritmo dessas palavras de fel que querem ser expiação pois é só isto que resta: entôo cânticos de maldições infindas e meu suspiro espera a morte. Tudo é dor dentro do meu eu em pedaços, dilacerado por uma existência de conflitos internos impronunciáveis e de desarranjos sociais notáveis a olho nu. Choro minha singularidade que revela não só a mim, mas ao eu de todos aqueles que viveram a oportunidade desesperadora de um mundo onde os deuses nascem mortos e os anjos não existem. Sou a lágrima derradeira de um sonho-pesadelo: meu reflexo no espelho.


In.: Carta para Amarante