quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ROSSEAU, Jean-Jacques

"(...) Ainda não faz dois meses que uma calma absoluta voltou a meu coração. Havia muito tempo eu nada mais temia, mas esperava ainda, e essa esperança, ora alimentada, ora frustrada, era uma via pela qual mil paixões distintas não cessavam de me agitar. Um acontecimento tão triste quanto imprevisto veio por fim apagar de meu coração esse tênue fio de esperança e me fez ver meu destino fixado em definitivo, para sempre, neste mundo. Desde então, me resignei sem reservas e reencontrei a paz.
(...)
Sozinho para o resto de minha vida, visto que encontro apenas em mim o consolo, a esperança e a paz, só devo e quero me ocupar de mim. (...) Destino meus últimos dias a estudar a mim mesmo e a pareparar com antecipação as contas que não tardarei a prestar sobre mim. Entreguemo-nos por inteiro à doçura de conversar com minha alma.
(...)
O hábito de entrar em mim mesmo por fim me fez perder a sensação e quase a lembrança de meus males; aprendi, assim, por minha própria experiência, que a fonte da verdadeira felicidade está em nós e que não depende dos homens tornar miserável aquele que sabe querer ser feliz."

in.: Os Devaneios do Caminhante Solitário

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Agora

Gosto de escrever do agora.

Os Bem-te-vis me chamam fortes

E bem me vêem

Mesmo sem me ver.

Lá detrás a bem-te-vi responde:

Vi!

E assim o diálogo,

Sucessivamente.

O agora é isso: Bem-te-vi

Vi!

Bem te vi!

E eu também vi.

A natureza dialoga:

Os carros gritam.

As nuvens vão dormir.

Eu vou ainda só: é ordem de partida.

Vou montar na bicicleta

E ir emborar,

Trotar mundos.



in.: cartas p/ amarante

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

PARA SÃO JORGE

Salva Jorge Caveleiro,
Guerreiro Santo protetor
Salva a Chapada dos Veadeiros
Cristal, diamante de honraz valor.
Cavaleiro de Deus,
São Jorge
Cidade que o Goiás abraçou
No alforje do mochileiro
Viaja a alegria que o tempo inventou
Na terra que leva seus pés
Repousam estórias que a estrada cunhou.

Então deixa de besteira,
Tira a roupa
E pula na cachoeira!


in.: cartas p/ o fotógrafo

terça-feira, 14 de setembro de 2010

o abade e os mouros

Ah. São novamente tempos de indefinição. Há um abade sentado num camelo: cruzam o deserto com mouros liderando. Parecem ir para o abate, mas vão para a guerra. Em seus rostos há medo e sangue: a tensão agarra os músculos de seus pescoços. Não há vento: o calor é o inferno mas acima dos olhos há a imensidão do céu.

Lá vai o abade. Em seu peito pende uma cruz. Os mouros cingem espadas. São todos homens e todos têm um quê em comum. Ali se encontraram.

Aqui se despedem para todo o sempre.



in.: cartas p/ badu

domingo, 12 de setembro de 2010

aleatória

Pudera eu te dizer, amigo, das mil e uma transformações que aconteceram na minha vida. Não tenho paciência para tanto, então prefiro metaforizar: os sonhos têm se tornado reais porquanto me dou serena à solitude. Não brinco em serviço: tenho meus mais secretos planos. Onde mais me reconheço? Sob as árvores. Elas me sussurram os mais singelos poemas. Seus movimentos são obras de arte: verdadeiros teatros vegetais. Seus papéis são obra do acaso, mas suas sombras aconchegantes são sempre universais.
Sob as três árvores na octogonal
Eu me sentei
E pedi que a musa me dispusesse a inspiração necessária pra dizer dos anseios do meu coração. Vieram as incontáveis musas da natureza: como o vento agora no meu rosto, e me fizeram despedaçar:
Meu coração era livre de todos os males voando solto no cosmos ilógico da morte.
Quem sou eu? Sou a árvore, sou a formiga, sou a cigarra.
Chega de viagem.


in.: cartas p/ felipe

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

não há escapatória

Olhe bem: não há escapatória. Somos donos e escravos dos nossos próprios tos. Nada determinamos e por nada somos determinados.

Não há escapatória.

(...)

Ah! E eu? A pessoa ego do poeta profetiza! O que há que se me sinaliza? Sou preguiça e tenacidade, contradição estática. Mais liberta eu não estaria, senão...

Bem, olhe. Também estou presa.

Parque da Cidade, mangueira centenária, os gritos dos jovens no Nicolândia. Estranhos sons canabinóides: olhe: eu fumo porque qui-lo

e fumo quilos.



in.: cartas p/ badu

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

a lógica do vício na sociedade do consumo

O tabaco industrializado faz mal à saúde, isso é fato incontestável, dizem alguns.

Mas tá. E daí? O meu vício é fumar ou comprar?




terça-feira, 7 de setembro de 2010

Nadando Sobre o Tudo e o Nada

Quero tudo porém nada
Pois prefiro no final nadar mesmo
Já que a água acorda gelada:
Não posso e nem preciso ter tudo,
Lá vou eu: quero nada
E nado feliz no meu querer.