quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

LIMA, Jorge de

A MULTIPLICAÇÃO DA CRIATURA

Parece, Senhor, que me desdobrei,
que me multipliquei,
que a chuva dos céus cai dentro de minhas mãos,
que os ruídos do mundo gemem nos meus ouvidos,
que batem trigo, chorando, sobre o meu tronco nu,
que cidades se incendeiam dentro de minhas órbitas.
Parece, Senhor, que as noites escurecem dentro de meu ser múltiplo,
que eu falo sem querer por todos os meus irmãos,
que eu ando cada vez mais em procura de Ti.
Parece, Senhor, que tu me alongaste os braços
à procura de abóbadas raras e iluminadas,
que me estiraste os pés repousantes no Limbo,
que os pássaros cansados em meus ombros repousam
sem saber que o espantalho é a Semelhança Tua.
Parece que em minhas veias
correm rios noturnos
em que barqueiros remam contra marés montantes.
Parece que em minha sombra
o sol desponta e se deita,
e minha sombra e meu ser
valem um minuto em Ti.


in.: A Túnica Inconsútil

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