segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

oração

(...)
E agora?
Tudo vem de fora!
Sinfonia de cigarras sob templo feito de nuvens: anjos tocam trombetas no céu que aurorece como ouro: as bases desse templo dão o tom dourado que me invade os olhos no lacrimejo simples de meu coração... A obra que Deus me deu é essa que descrevo aos trancos e barrancos, nos solavancos do meu peito, esse céu sagrado que o mistério colocou em minha vida: meus amigos, meus amores. Eis a cura do mal que inventei pra mim.
A solidão é benesse também. Me dá rigidez de espírito, afia minha alma. Sabemos já de antemão: nascemos sozinhos e sozinhos morremos.
(...)
Ciclo que se renova. Vidas que vem e vão. Força que me bate o peito: prepara meu coração! Que os ventos não me abalem, que meus dias não percam a cor! Que meus medos não falem, que em tudo eu credite amor! Que os anjos povoem os sonhos e que eu ouça todo o esplendor da vida em todos os momentos de minha existência.

in.: os cadernos da chapada, vol. Cavalcante II

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

a dialética da consciência

(...)

esse imenso mistério ensurdecedor.

Às vezes parecemos adormecer com a alma serenizada, as dúvidas varridas para fora da casa do coração. Mas bastam-nos os sonhos para que os incômodos fracassos voltem à tona ao amanhecer. Então acordamos para um novo dia novamente realimentados em dúvidas e nadando indefesos na imensidão do acaso.

Hoje meu dia amanheceu domingo azul e belo, haviam flores nos olhos das pessoas, eu sorri. E no final da noite já eram trevas novamente: dei de encontro com tropeços que deixaram meu coração machucado. Quis voar em direção ao espaço e sumir na solidão de mim mesma. Então me deitei sobre minha cama toda desarrumada e pensei em te escrever e a sensação de deitar palavras sobre o teu papel é algo que me acalma o espírito da angústia imorredoura que sempre me povoou a alma: amanhã morrerei e o sentido da vida é bruma, muito embora eu acredite vislumbrar de longe o sentido da morte.

Busco o amor. E ele parece sempre escapar entre os dedos. Mas foi ele que me restou ao acordar do sonho.


(...)


in.: cartas p/ dionis

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Cachoeira do Poço Encantado

Terezina de Goiás, 12-10-10

Poço
Em que compartilho minhas alegrias e meus dilemas.
Escorrem-se pelas tuas pedras as lágrimas da terra na cachoeira que entoa cânticos de dor e de esperança.
Os ensinamentos também fazem doer e os encontros vão se desencontrar um dia.
Sorri a poesia pois mesmo assim serei bela: a dor tem seus traços serenos, envolve-nos com seus braços fortes para no fim adornar nossos semblantes com a beleza da experiência.
Lá se vão as desavenças: escorrem como a água da cachoeira.
Não há nada como o tempo para cicatrizar as feridas.

in.: os cadernos da chapada

sábado, 4 de dezembro de 2010

conexões

Avistei no horizonte da tela do celular
Hugo Lins chamando
Eu atendendo e sendo transportada
Para o parque da cidade
Com latinhas sobre a mesa de concreto
E estórias dos amigos verdadeiros
Que mudam no mistério dos encontros.
À primeira vista, amor.
À segunda vista, diálogo.
À terceira vista, sabe-se lá o que!

in.: os cadernos p/ mim mesma

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Segunda Epístola aos Coríntios

"É por isso que nós não perdemos a coragem; e mesmo se, em nós, o homem exterior se encaminha para a sua ruína, o homem interior se renova dia a dia. Pois nossas tribulações de um momento são leves com revelação ao peso extraordinário de glória eterna que nos preparam. O nosso objetivo não é o que se vê, mas o que não se vê; o que se vê é provisório, mas o que não se vê é eterno.

Pois sabemos que, se a nossa morada terrestre, que não passa de uma tenda, vem a destruir-se, nós temos um edifício, obra de Deus, uma morada eterna nos céus que não é feita por mão de homem."



Capítulo 4, 16-18

Capítulo 5, 1


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

dos sonhos sem poupar excessos

Boa parte de meus sonhos se perdeu na estrada, mas nessa perdição eles acabaram por encontrar outras pessoas para ser sonhos novamente nelas. E nessas pessoas meus sonhos vicejaram dentro e fora de mim.

Para então, enfim, se perderem novamente, rumo ao infinito e cada vez mais distantes da dor.


in.: os cadernos para mim mesma, 08-11-10

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ROSA, Guimarães

"Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem de viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Por começo, a criancinha vê os objetos invertidos, daí seu desajeitado tactear; só a pouco e pouco é que consegue retificar, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, outras pechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então?"

in.: O espelho.
Primeiras Estórias

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cigarras, Cigarros

Brasília, 21-10-10

Olho a UnB de fora de mim mesma
obviamente
Batuqueira em roda
Teatro de cigarras e cigarros
Homens seres no exercício do tambor
Pisando a terra que a chuva molhou.

Sorrisos gratuitos na medida de seus mistérios
Olhares sós...
Eu só observo, sob as cigarras
Que gritam e mijam sobre mim.

Ah, chega de poesia.
Agora é só cigarro e som.

in.: os cadernos p/ mim mesma

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

DIAGAY: 24, BARDOT, Vicente Pires

24-09-10
Somos levados pelas vibrações dos átomos do espírito, tragamos os segundos, vibramos junto ao desejo de ser: ar sem parapeito, planar sem destino, amar com desatino. Confluências divinas ou divinatórias.
Glória também é ser carne
a trotar em sonhos.

Deus abençoe os gostos
ou mesmo os desgostos.

SAIBAMOS VIVER

COMENTÁRIO DO REICH: "Marlene Matos ao lado!"

domingo, 31 de outubro de 2010

Tão Brasília

Cá eu num gramado em frente à EPIA e à Octogonal.

Tão Brasília.

Fui à Taguatinga de camela, sem capacete.

EPTG em obras.

Adoro viver perigosamente.

Como um D’artangnan justiceiro – mas não vingativo.

Saio cortando o vento e o trânsito.

Responsável porém apressada, pois o tempo urge:

Isso aqui é Brasília e os minutos escorrem

Gota a gota dentro do meu ser de asfalto.

Estou cidade.


in.: cartas p/ anna k.

domingo, 24 de outubro de 2010

Academia Universitária

Nos submundos da universidade maconheira
Eis que sobranceira pinto minha cor de solidão.
As salas abandonadas são os refúgios
Dos poetas desterrados em seu próprio lar.

Estou sozinha com o baseado
E o subterrâneo é meu:
Fantasmas arrastam carteiras pelos corredores
Os professores falam e falam
Sempre tentando fazer com que o relógio
ande mais rápido ou mais lento, mas ande.
E os alunos indo e vindo sem distinção,
Cada qual com o seu umbigo peculiar.

A academia treme em sua base
Mas os diplomas continuam a ser produzidos
E
então
Eu

Embaixo
Nos submundos da UnB
Com a teoria entre os dentes e a
prática sobre a carteira.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

NÃO TENHO MEDO DO PROFANO
ELE TAMÉM PROFETIZA VERDADES
A FERRO E FOGO
AQUI ELE TAMBÉM É PRESENÇA
DE ESPÍRITO
A CERVEJA E AS GARGALHADAS
COM OS DADOS DO DESTINO:
LANÇADOS SOBRE A MESA,
AS VELEIDADES BENDITAS
OS SABORES DAS BOCAS
DA PERCEPÇÃO
SIM, ABRINDO AS
PORTAS COMO BOCAS,
AS PERCEPÇÕES DA MATÉRIA
O PROFANO SAGRADO
DA HUMANIDADE EM EXERCÍCIO

(NO BAR)

24/09/10


in: os cadernos p/ mim mesma

domingo, 17 de outubro de 2010

cartas para hugo em julho

Aí o cenário: cerradão cinza quebrado pelo amarelo do sol que se põe no horizonte seco. Árvores que retorcem lânguidas e harmoniosas na lentidão de seus movimentos autótrofos: tão sábias e tão serenas são elas! Para entortar a natureza corta ali a estrada de concreto dos homens, os veículos zunem motorizados e eu escuto em som amplificado o meu silêncio interior.

A solidão me lança à evasão nas coisas. Veja: a formiga passa logo ali embaixo. As nuvens são poucas, os ônibus barulhentos. Ah... Quem sou eu que diviso tudo isso?

Pouco de mim se escreve. Muito de mim se especula. Na minha escrita surgem várias vozes: não sei quem sou, mas cá estou contando os segundos desse pôr-do-sol no cerrado. Logo ali passa um quero-quero e mais pra lá voa um tesourinha. Os mosquitos me pousam e eu vou embora adentrar o tempo.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

aleatórias

O meu dilema é vazio como um sonho sem dono.

Nossos corpos inexistem: são meras projeções

De algo há muito já perdido.

O meu dilema é de todos nós: devaneio da morte.

Flutuo absorta na minha metafísica esperançosa.


(...)


Adicta a meus anseios refrescados pela fumaça

Das motocicletas eu distância etérea

Como os desfalecimentos das nuvens

Nos ventos secos de setembro

Entrando na veia do poeta o aceno do

Final do ano

Vamo que vamo


in.: cartas p/ giuliani

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ROSSEAU, Jean-Jacques

"(...) Ainda não faz dois meses que uma calma absoluta voltou a meu coração. Havia muito tempo eu nada mais temia, mas esperava ainda, e essa esperança, ora alimentada, ora frustrada, era uma via pela qual mil paixões distintas não cessavam de me agitar. Um acontecimento tão triste quanto imprevisto veio por fim apagar de meu coração esse tênue fio de esperança e me fez ver meu destino fixado em definitivo, para sempre, neste mundo. Desde então, me resignei sem reservas e reencontrei a paz.
(...)
Sozinho para o resto de minha vida, visto que encontro apenas em mim o consolo, a esperança e a paz, só devo e quero me ocupar de mim. (...) Destino meus últimos dias a estudar a mim mesmo e a pareparar com antecipação as contas que não tardarei a prestar sobre mim. Entreguemo-nos por inteiro à doçura de conversar com minha alma.
(...)
O hábito de entrar em mim mesmo por fim me fez perder a sensação e quase a lembrança de meus males; aprendi, assim, por minha própria experiência, que a fonte da verdadeira felicidade está em nós e que não depende dos homens tornar miserável aquele que sabe querer ser feliz."

in.: Os Devaneios do Caminhante Solitário

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Agora

Gosto de escrever do agora.

Os Bem-te-vis me chamam fortes

E bem me vêem

Mesmo sem me ver.

Lá detrás a bem-te-vi responde:

Vi!

E assim o diálogo,

Sucessivamente.

O agora é isso: Bem-te-vi

Vi!

Bem te vi!

E eu também vi.

A natureza dialoga:

Os carros gritam.

As nuvens vão dormir.

Eu vou ainda só: é ordem de partida.

Vou montar na bicicleta

E ir emborar,

Trotar mundos.



in.: cartas p/ amarante

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

PARA SÃO JORGE

Salva Jorge Caveleiro,
Guerreiro Santo protetor
Salva a Chapada dos Veadeiros
Cristal, diamante de honraz valor.
Cavaleiro de Deus,
São Jorge
Cidade que o Goiás abraçou
No alforje do mochileiro
Viaja a alegria que o tempo inventou
Na terra que leva seus pés
Repousam estórias que a estrada cunhou.

Então deixa de besteira,
Tira a roupa
E pula na cachoeira!


in.: cartas p/ o fotógrafo

terça-feira, 14 de setembro de 2010

o abade e os mouros

Ah. São novamente tempos de indefinição. Há um abade sentado num camelo: cruzam o deserto com mouros liderando. Parecem ir para o abate, mas vão para a guerra. Em seus rostos há medo e sangue: a tensão agarra os músculos de seus pescoços. Não há vento: o calor é o inferno mas acima dos olhos há a imensidão do céu.

Lá vai o abade. Em seu peito pende uma cruz. Os mouros cingem espadas. São todos homens e todos têm um quê em comum. Ali se encontraram.

Aqui se despedem para todo o sempre.



in.: cartas p/ badu

domingo, 12 de setembro de 2010

aleatória

Pudera eu te dizer, amigo, das mil e uma transformações que aconteceram na minha vida. Não tenho paciência para tanto, então prefiro metaforizar: os sonhos têm se tornado reais porquanto me dou serena à solitude. Não brinco em serviço: tenho meus mais secretos planos. Onde mais me reconheço? Sob as árvores. Elas me sussurram os mais singelos poemas. Seus movimentos são obras de arte: verdadeiros teatros vegetais. Seus papéis são obra do acaso, mas suas sombras aconchegantes são sempre universais.
Sob as três árvores na octogonal
Eu me sentei
E pedi que a musa me dispusesse a inspiração necessária pra dizer dos anseios do meu coração. Vieram as incontáveis musas da natureza: como o vento agora no meu rosto, e me fizeram despedaçar:
Meu coração era livre de todos os males voando solto no cosmos ilógico da morte.
Quem sou eu? Sou a árvore, sou a formiga, sou a cigarra.
Chega de viagem.


in.: cartas p/ felipe

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

não há escapatória

Olhe bem: não há escapatória. Somos donos e escravos dos nossos próprios tos. Nada determinamos e por nada somos determinados.

Não há escapatória.

(...)

Ah! E eu? A pessoa ego do poeta profetiza! O que há que se me sinaliza? Sou preguiça e tenacidade, contradição estática. Mais liberta eu não estaria, senão...

Bem, olhe. Também estou presa.

Parque da Cidade, mangueira centenária, os gritos dos jovens no Nicolândia. Estranhos sons canabinóides: olhe: eu fumo porque qui-lo

e fumo quilos.



in.: cartas p/ badu

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

a lógica do vício na sociedade do consumo

O tabaco industrializado faz mal à saúde, isso é fato incontestável, dizem alguns.

Mas tá. E daí? O meu vício é fumar ou comprar?




terça-feira, 7 de setembro de 2010

Nadando Sobre o Tudo e o Nada

Quero tudo porém nada
Pois prefiro no final nadar mesmo
Já que a água acorda gelada:
Não posso e nem preciso ter tudo,
Lá vou eu: quero nada
E nado feliz no meu querer.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Aniversoário

Hoje era ontem e já foi.

Pra que temporalizar?

O ontem é hoje: meu vô sorri no meu colo.

Sei que era mensagem: a morte é nossa se nós quisermos.

Ontem à noite estavam encarecendo as passagens de ônibus

E hoje de manhã eu ganhava pulseiras de presente.

Sente? O dia hoje era ontem, de novo noite.

Não preciso entrar em detalhes lógicos

Pois a poesia dispensa formalidades.

A cidade é como uma constelação:

Cruzeiro que Novo estrela

Guapuruvus com nuvens e velas

Motores sonoros

A Santa Teresinha e seu neon desligado.

De cá diviso a quadra em seu quadro solitário

No mesmo momento em que escuto gritos

E me relembro dos homens do basquete.

De suas cestas, sua pontaria.

Invejo suas objetividades e no rabisco do verso grito minhas bolas:

Hoje é dia do padeiro.

Então que venha a massa real.



in.: os cadernos para mim mesma, 08-07-10

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Morcego Poeta

Vem o morcego rasante versejar na noite
Corta o ar numa curva bruxuleante
Asas desengonçadas projetam-se em harmonia
Eis o morcego selvagem em plena bizarria
Rindo da minha apreensão momentânea
Ante seu vôo de tamanha singeleza.
Vem o morcego me cantar da beleza
Dos porões escuros que habitam árvores cheias de vida e de sonhos.


in.: os cadernos para mim mesma
17-08-10

terça-feira, 24 de agosto de 2010

...

Sim, eu ouço os sussurros sibilantes dos ventos e os ensaios distantes da escola de música, eu me aventuro no verso da vida sentando na grama e fazendo do joelho uma mesa, do absurdo, o possível, da tristeza o desafio, da dor a lição. Então. Sou eu ou é o mundo???



in.: cartas p/ machado amarante

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

COMPÊNDIO DIVINO

Por onde andará Jesus Cristo?
Onde colhe Gabriel os lírios?
João Batista batizou no limbo?
Nunca ninguém escutou a flauta de Krishna
Mas alguns poucos sentem que ela toca todos os dias.
O que Muhammad diria a Joseph Smith e vice-versa?
Ousaria Kardec ou Chico intervir no colóquio?
Nunca! Nunca nos esqueçamos: Judas também senta à mesa
E Sidarta bebe do maná dos céus.

Como Oxossi descobriu o Brasil?
Onde São Jorge afia a espada?
Eros precisa mesmo ferir?
Como Thor se resolve com Zeus? E Tupã?
Não nos enganemos: Lúcifer era o preferido de Deus...
Mas onde andará Raimundo Irineu?
A voz do trovão e o cheiro do vento
São força de vida que Gaia nos deu.



in.: cartas p/ hugh link

domingo, 15 de agosto de 2010

sobre o que é bom

Escrevo-te de dentro do meu estranhamento perante o mundo. A vida é mesmo uma gangorra de conflitos. Nunca sei como me portar propriamente perante a porra paranóica desse mundo. Hesito, perco, sou levada. Mas sabe, mesmo assim é bom. Há os pequenos consolos.

Hoje quero ficar sozinha. O céu vazio de nuvens é convidativo e o sol me veio cantar no rosto. Música nas minhas sardas.

De vez em quando me esqueço dos problemas, nas outras vezes os problemas se esquecem de mim. E assim sigo, bamboleando sem perceber.




in.: cartas p/ o fotógrafo


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ecoemos seres de luz

Para onde vamos, seres de luz?
Por que sombras nos carregam nossos corpos?
Por que vales desconhecidos nos levam nossos pés?
Assomam-se os amanhãs incontáveis
Na eternidade da onda que nasce na estrela
Ou na miudeza do elétron:
Fóton enigmático
Calor efervescente
Luz... Imensidão desperta

Para onde amamos, seres de pensamento?
Para onde?
Se a morte é o voraz remédio
Até mesmo para aqueles
Que não querem ser curados?

Eis que surge a esperança no desenho do horizonte
Olhos verdes como os montes de uma terra já perdida
No olhar ela carrega as sementes de uma era
Que em sonhos imagina dentro em breve ressurgida

Descansamos nossos pés nos jardins da nova era
Nossos corpos nos carregam no infinito de um segundo

Pois que vamos por onde amamos,
Seres de luz.

in.: profecias profanas

domingo, 8 de agosto de 2010

eros e ágape

Como o tempo é um bom camarada, ele aparece por aqui apenas para traçar a reviravolta de minha narrativa epistolar que contava o fracasso de Eros e minha rendição à casta pureza de Ágape.

E, no entanto, quinze, vinte e cinco dias depois.

Amigo tempo que vem lento mas implacável: eis a morena na minha cama, daqui do parágrafo sinto seu hálito animal e sua grave voz que denuncia o gozo e a rendição à vida: sim, veja: a culpa é de Eros, ele se esbalda em nos pregar peças!

Agora estou nua pela noite lenta: nossos corpos são barcos que navegam devagar se rendendo paulatinamente à violência das águas. Somos tragadas pela maré que insiste em dançar como nós também nua pela noite lenta.

É a força de Eros gritando na seta que atravessa

A carne.

Te digo, amigo: eu e a morena nada temos em comum.

Ou...

Quase nada.




in.: cartas p/ amarante

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

após um trabalho de ayahuasca

Ainda sinto a força da ayahuasca se movendo pelo meu corpo. As sensações são como ecos: sinto-as várias vezes! Meus ouvidos dançam com a música. A emoção é contida mas se faz intensa por dentro.

Tento organizar as idéias. Mas são tantas coisas! Vejo que estou bem e viva. Dou graças aos deuses, ou ainda melhor: dou graças a Deus pois ele é um só e Ele me determinou. E será Ele que me fará morrer sem precisar me matar.O mistério.

Deus. Só você preenche minha vida. Súbito percebo: é você quem procuro. Está nas minhas raízes. Estou contigo, Deus.

Sim. Cada trabalho é a confirmação de que eu não estou só. Eu vejo as múltiplas vivências e as múltiplas ligações ancestrais. Eu vejo manadas de almas indo e vindo sem saber por quê mas simplesmente vivenciando o estrondo de se nascer e de se morrer. Esse intervalo enigmático que determina tudo: desde o alfa até o ômega. Vida. Dom Divino. A única coisa que existe.




in.: cartas p/ dionis

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

GRAÇAS A DEUS

Ao escrever profetizo lembranças
Lanço minhas palavras ao mar para abraçar os peixes.

Rogo caminhos aos pés
E passo cola nas frases
Pra sustentar o poema

Escavo as memórias antigas
Em busca do dom que perdi
De repente o verso cria vida
E grita cheio de esperança:

Floresce forte, humanidade
Os sonhos são feitos pra perdurar
Tarda por ora, Apocalipse
A profecia inda quer soar.


in.: profecias profanas

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

sobre o medo

Sim, eu tenho medo.

Hesito, erro, a custo percebo:

Eu tenho medo.

Cada respiração expressa em si mesma

A totalidade de meus anseios.

Lá vamos nós novamente ser tragados,

Atravessar todo aquele medo

Vencê-lo ou ser vencidos por ele,

Lá vamos nós novamente.

Vamos sorrir

Quando por fim percebermos

Que depois de tudo

Há um outro medo.




in.: os cadernos p/ mim mesma, 30-07-10

sábado, 31 de julho de 2010

NO NASCER DOS OCASOS

A vida é algo do qual a gente gosta de falar, porque é incrível, você sabe. A vida através dos universos, sob a mão onisciente e onipresente e oninconsciente: Deus de impulsos cheios dela: vida, de novo, a nascer nos ocasos, arroubos de desejos, gôndolas que deslizam através dos leitos também vivos, rios onde trafegam estórias de ancestralidades incontáveis, seixos que escavam rochas, água, água, vida novamente, sexo, semente, água, água, eis repetidamente a vida.

Deus de novo, Alá Deus.




in.: cartas p/ giuliani, 15-06-10

quinta-feira, 29 de julho de 2010

sobre a fé

Eu bem sei que todos os caminhos do verbo apontam para um só lugar: o lançar-se a si mesmo tomado pela fé no invisível. Deus existe na medida do impossível. Criemos na alegria da existência nossos seres invencíveis.




in.: cartas p/ o professor

terça-feira, 27 de julho de 2010

sobre a vida sob o sol

Amo a liberdade debaixo das árvores

Elas dançam com o vento que me afaga os cabelos.

A vida é isso: o que vemos, o que sentimos, o que provamos.

A vida não é o que pensamos.



Olhe: ontem eu acreditei em Deus e dei eco à sua minha causa.

Eu sabia que eu estava sujeita a erros, mas eu não temia errar.



Deus me veio como num orgasmo:

ele era pura sensação e não havia pensamento que pudesse sintetizá-lo.



Eu simplesmente agradeci a vida e a liberdade



in.: cartas p/ dionis

segunda-feira, 19 de julho de 2010

poema de novo

Noite de braços transparentes
Luz do meu mais negro jardim
Onde se arrastam as correntes
Onde se escrevem todos os motins

Traga-me a força do guerreiro
Jogue em mim o seu manto negro
Leva-me ao porto derradeiro

E me guia na volta


in.: os cadernos para mim mesma

sexta-feira, 16 de julho de 2010

poema

EXPERIÊNCIA DIVINA
É TUDO
O SER EM EXERCÍCIO
E O NÃO SER AO MESMO TEMPO
SEM TEMPO

in.: os cadernos p/ mim mesma, 07-06-10

quarta-feira, 14 de julho de 2010

a fonte da juventude

Se somos tão perfeitos quanto o são os rios e as árvores então por que nos fazemos tão cheios de rancor? Onde está a verdadeira fonte da juventude? Para que buscar alquimias escondidas a sete chaves se a verdadeira magia está nos momentos mais simples: a perfeição da madeira, árvore que morta sustenta a mesa em que bebemos e escrevemos os sonhos. Tudo tem sua razão de ser e a perfeição existe mesmo na medida impura da mágoa e na arbitrariedade da dor. A perfeição também reside na maturidade e também floresce na velhice. A fonte da juventude é uma ilusão a qual devemos deixar pra trás.

(...)

Acho que tudo que escrevo precisam ser cartas.

Para todos e para

Você.


in.: cartas p/ hugh link, 13-02-10

domingo, 11 de julho de 2010

o amor do agora e sempre

Sou o amor de cada encontro único

Vibrando em corações enlaçados

Luas em céus infinitos

Sóis em galáxias vindouras


Luminosas relações a enredar momentos

A moça da voz mais feminina que já conheci

Os amigos de olhares distantes

Os sorrisos abertos pela noite infinda

A vinda das descobertas

Sou isso que experimento


Sou carne e cimento


Sou copos de cerveja

E violões rachados. Pensamento e ato.

Amor elevado à verdade.


in.: os cadernos p/ mim mesma. 03-06-10, carmo do paranaíba

quinta-feira, 8 de julho de 2010

poema em mesa de bar II

Bem antes de nascer eu já amava meus amigos
Pois eu sabia que nosso encontro seria mágica
E já sabia dos desencontros, pressentia-os na alma

Quero ver agora, que já nasci.

Que surpreendente esses momentos em que o diálogo brota.
Eu sou feliz e estou aqui.


in.: os cadernos para mim mesma
cenário, do lado do pôr-do-sol, hoje

terça-feira, 6 de julho de 2010

A Morte do Vulcão

Diante da fraqueza do corpo

Eu rezo um terço sem nexo

Dor do espelho convexo

Tudo com prós e com contras


Ouço o meu terço miúdo

Rogo a Deus que Vesúvio

Não torne mais a cuspir


Vejo: a paixão vai-se embora

Onda que jaz no agora do corpo

Pra renascer amanhã só no sonho



in.: os cadernos para mim mesma, 02-06-10

domingo, 4 de julho de 2010

meu nome

meu nome é
patrícia de deus
sem querer uivo sagrado
e oração poética

sonoros vértices de dentes rangentes
rigorosas sombras pulverizadas de fumaça
poeira cósmica falsificada

demodê ô caralho
meu nome é
dromedário.

in.: os cadernos para mim mesma, 04-06-10
carmo do paranaíba, MG

quinta-feira, 1 de julho de 2010

poema em mesa de bar

Pela virtude que não teme o escárnio
E pela nobreza patética de todas as boemias
Eu escrevo sobre a mesa azul minha poesia
E sarcástica rasgo o verbo que alforria
E retorno ao jugo da escravidão:
Sou filha da terra estuprada pelos pais
E desprezada pelas filhas.
Sou a poetiza que se quer poeta
E sem cerimônias quebra a seta de Eros
E oferece cerveja à Baco.
Sou escrava dos catalizadores
Sonhadora de mundos
Cavalgando na mesa azul do bar que abriga
Minha qualquer poesia.


em frente ao Pôr-do-Sol, 23-06-10

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A EMOÇÃO MOMENTÂNEA

As emoções são explosões,
Sacodem mundos e, portanto,
É conveniente evitá-las.

No entanto, "sabemos-nas" à espreita
E elas num mover de olhos nos assomam.

Eis a solidão dos carentes de amor
O orgulho dos arrebanhados em ego
O rancor dos desenganados
O medo dos imaturos.
Eis tudo: emoções que nos assomam,
Homens e mulheres,
Flores e espinhos.

A emoção tão minha
Tão sua
Tão nossa que ...
Nossa!
É conveniente evitá-las.


(pensando no patétido do Schiller)


in.: os cadernos para mim mesma, 16-06-10

quinta-feira, 24 de junho de 2010

TCHEKHOV, Anton

"- E a imortalidade?
- Ora, mudemos de assunto!
- O senhor não acredita, bem, mas eu acredito. Numa obra de Dostoiévski ou de Voltaire alguém diz que, se Deus não existisse, seria inventado pelos homens. E eu creio profundamente que, se a imortalidade não existe, será inventada cedo ou tarde por uma grande inteligência humana."


in.: Enfermaria nº 6
Tradução de Maria Jacintha e Boris Schnaiderman

quinta-feira, 17 de junho de 2010

BURROUGHS, William e GINSBERG, Allen

Carta de Allen a Bill durante a viagem ao Peru onde esteve a comungar o yage, ou ayahuasca

10 de junho de 1960


"Ayahuasca pode ser engarrafada e transportada e mantém-se forte, se não fermentar - a garrafa precisa estar bem fechada. Tomei uma xícara: a mistura estava um pouco velha, tinha sido feita há muitos dias e um pouco fermentada também; deitei-me e depois de uma hora (numa choça de bambu, [...] comecei a ver ou sentir o que pensei ser o Grande Ser, ou alguma de suas manifestações [...]
Bem, encurtando a história, fui a uma sessão de grupo formal ontem à noite - dessa vez a mistura estava fresca e apresentada com todo o cerimonial, ele cantarolava (e assoprava fumaça de cigarro ou cachimbo) docemente sobre a xícara alguns minutos antes [...], então acendi um cigarro, dei uma baforada sobre a xícara e bebi. Vi uma estrela cadente - aerolito - antes de entrar, e a lua cheia, e me serviu primeiro. Então deitei-me esperando sabe Deus que outra visão agradável, então começou a bater e então toda essa porra de cosmos desprendeu-se à minha volta, acho que foi a coisa mais forte e pior que já me aconteceu [...]
senti-me como uma cobra vomitando o universo, ou um jívaro de cocar com dentes de cobra vomitando ao compreender o Assassinato do Universo - minha morte por vir - a morte de todos por vir - ninguém está preparado - eu não estou preparado - ao meu redor, nas árvores, o barulho desses animais espectrais, os outros bebedores vomitando (parte normal das sessões de Cura) na noite de sua horrível solidão no universo - vomitando sua vontade de viver, de ser preservado nesse corpo, quase - [...]
Toda cabana parecia rajada de presenças espectrais, todas sofrendo transfigurações pelo contato com uma única coisa misteriosa que era nosso desino e que, mais cedo ou mais tarde, nos mataria [...] criaturas espectrais colocadas aqui misteriosamente para viver, serem Deuses vivos e sofrerem a Crucificação da morte como Cristo, mas se perdem ou morrem na alma ou entram em contato e têm um novo nascimento para continuar o Processo de ser (apesar de eles mesmos morrerem, ou não?

[...] disse que quanto mais se satura de ayahuasca, mais fundo se vai - visitar a lua, ver os mortos, ver Deus - ver os espíritos das árvores etc.

[...] essa quase esquizofrênica alteração da consciência é apavorante.

Resposta de Bill a Allen

21 de julho de 1960



"Não há nada a temer. Vaya adelante. Olha. Escuta. Ouve. Tua consciência ayahuaski é mais válida que a sua "consciência normal"?"Consciência Normal" de quem? Por que voltar a ela? Por que está surpreso em me ver? Você está seguindo meus passos. Conheço vosso caminho. Sim, conheço a área melhor do que você pensa. Tentei contar a você mais de uma vez, comunicar o que sei. Você não ouviu, ou não conseguiu ouvir. "Não se pode mostrar a alguém algo que essa pessoa não viu." Hassan Sabbah citado por Bryon Bysin. Ouviu agora? [...]"





in.: Cartas do yage.
William Burroughs & Allen Ginsberg
Tradução de Bettina Becker

terça-feira, 8 de junho de 2010

a força da alma que suporta o corpo

(...)
Tenho fome. O estômago vazio faz pesar todo o corpo. Talvez por isso o Ramadã seja fortalecer a alma.
Haja força espiritual para suportar o peso.


in.: os cadernos para mim mesma

terça-feira, 1 de junho de 2010

uma descoberta

Há dias que tombo na cama procurando os sonhos mais profundos e neles mergulho como se fosse nunca mais voltar. Grande descoberta, essa da eternidade, presença divina a vibrar nos átomos, matéria do invisível enredando o nada.
Sou assim: como nunca fui ou serei.


in.: os cadernos para mim mesma

segunda-feira, 31 de maio de 2010

aleatórias

Entre os sons do anoitecer e sob as luzes que começam a se acender. Observo meu corpo mudado pelos anos, minhas mãos de rugas simples, as pintas na pele que o Sol cavou. Respiro os sons. Ouço o medo da tarde morrendo. Sinto o espírito do invisível correndo pelas coisas e trago mais fumaça enquanto o paioso em brasa queima, na minha mão a caneta chora uma lágrima de entendimento.


in.: os cadernos para mim mesma

sábado, 29 de maio de 2010

vamo lá no guapuruvu

Na liga!
Rememorando os guapuruvus
Verdes e balouçantes
Os amigos internacionalmente candangos
As estórias dos drãos e dos manos
Romanos ou ciclanos
Fulanos em ônibus e satélites
Ensandecidos pela vida
Nascidos em Taguatinga
Crescidos na Ceilândia
E amados no Plano Piloto
Os manos que lindos gritam na UnB
Quem ama, cola no Gama
Fi
De deus como eu.


in.: os cadernos para mim mesma

domingo, 23 de maio de 2010

parafraseando eu mesma

Bom dia professor.

Deus te abençoe nessa manhã aberta: é a alegria da geléia e a excitação do café: o dia divino de cada momento único. Ah! Escolhas: goiaba ou framboesa? De que me vale a certeza? Escolho sempre dividida e a escolha é essa: perder-se pelas linhas. Nesse momento o auditório da EAPE lotado, vamos seguindo e fazendo história: manada de bois que determinam os destinos das paisagens infantes, as virgens que saltitam pela Terra. Veja: é tão simples: destrua todas as cartas em que talvez eu tenha mencionado minha mãe e guarde as outras dentro de um grande e grosso saco sobre um assoalho antigo e lá esqueça, até que tenha esquecido também de mim e o tempo tenha por sua vez se esquecido de nós e possamos descansar sem culpa ou rancor.

É isso, professor.

Quem te escreve não é sua aluna, é um reflexo do que ela foi.

Estamos do outro lado e adentramos o mistério e é o mesmo barco: construído como queremos e ele ainda flutua, onde nasce a luz e o buraco negro apesar dos pesares.

O Gessinger já sabia ao sabor do acaso.

Morre.

Flutua.

Entende?

Revulocione!

O trabalho mercantil é burrice.

Trabalhe de graça, como os poetas!

Abraços de pupila



in.: cartas p/ o professor

quinta-feira, 20 de maio de 2010

UBALDO RIBEIRO, João

"(...) A alma não aprende nada enquanto alma, necessita da encarnação para aprender, (...)
Há poucas almas novas, embora todos os dias algumas sejam criadas, na grande sopa cósmica que rodeia os planetas e as constelações. Sabe a moderníssima Biologia que, há muitos e muitos milhões de anos, não existiam seres vivos, mas as substâncias que hoje os compõem boiavam soltas no caldo primordial dos mares e então, num lindo dia de sol, a luz bateu sobre algumas dessas substâncias bem ha hora em que o balanço das ondas as aproximava, com o resultado de que apareceu algo vivo pela primeira vez. A mesma coisa que os sábios mostram ser tão simples se dá com as alminhas novas, quando se formam na grande sopa cósmica. As alminhas são como certas partículas de matéria, também descritas pela moderníssima ciência, que têm cor, sabor e preferências, mas não têm corpo nem carga. Tanto as alminhas quanto as partículas não obstante existem, tudo dependendo da inquantidade de nada que não entra em sua incomposição e, com quase toda a certeza, de outras condições científicas, tais como pressão, temperatura e a presença de bons catalisadores para reações de nada com nada. Então, nas amplidões siderais, imensuráveis e copiosas não-massas de nada escorrem, obviamente sem qualquer velocidade que lhes seja inerente, para juntar-se nas proximidades de algum poleiro d'almas. Se o nada procura os poleiros d'almas ou se os poleiros d'almas procuram o nada, não há como saber. O fato é que, nas vizinhanças de um poleiro d'almas, o que ocorre é nada, nada por todos os lados, uma infinitude de nada inimaginável em toda a sua inextensão. Nada e mais nada e mais nada e mais nada ali se vai aglomerando, até o ponto em que se acumula tanto nada que ele se transmuta num nada crítico e desta maneira surge algo desse nada. Não mais é, essa repentina não-forma do nada, que uma almazinha nova, inexperiente e inocente como todas as criaturas muito jovens, por isso mesmo sujeita a grande número de percalços, pois a única coisa que sabe é que deve ir para o Poleiro das Almas, empoleirar-se com as outras e esperar a hora em que terá de encarnar para aprender. (...)
Quando, fortuitamente, o Poleiro das Almas está repleto de almazinhas recém-nascidas, a agitação febril de tantos jovens ansiosos pelo aprendizado e pelo cumprimento de suas sinas chega a fazer fibrilar o cosmo e a perturbar um pouco o perfeito funcionamento dos relógios astrais e demais mecanismos celestes. Nesses casos, é comum que, em revoadas nervosas e espasmódicas, como lavandeiras que estejam a mariscar e sejam espantadas por uma pedra, as almas novas desçam iguais a flechas em direção ao planeta, chispando de um ponto a outro com a velocidade de relâmpagos, até acharem um ovo, um útero, uma semente, algo vivo para animar. E, naturalmente, não descem como desceriam se fossem corpos, talvez propriamente nem desçam, já que suas trajetórias são simultaneamente perpendiculares aos planos de todas as três dimensões e, se não é possível compreender isto, é porque pouco se compreende de quartas, quintas ou sextas dimensões, inclusive as almazinhas, que, assim, antes de chegarem, nunca sabem onde estão. E dá-se muito que a primeira encarnação das almazinhas não seja em gente, mas em bicho ou planta, (...)

in.: Viva o Povo Brasiliero

domingo, 16 de maio de 2010

brasília e memória místicas

Vida frenética e sem freios, espevitada e desastrada, escorregadia e indecifrável! Ah, mal sobra tempo para as coisas boas da vida: a soneca depois do almoço, as cartas para os amigos, os banhos de cachoeira, os passeios pelo pôr-do-sol...

Mas não há tempo a perder: vou ser feliz agora mesmo, quando te vejo chegando no aeroporto visitando essa Brasólia seca e esquisita. Cá estamos na capital corrupta do país. Mas veja: os hospitais estão em ruínas e a Câmara Legislativa tem até cinema: imponente e exibida no eixo monumental dos superfaturamentos! Veja: as escolas estão ao léu, os pontos de ônibus são feios, as obras estão paradas: ô cidadezinha mal amada essa viu!

(...)

De qualquer forma, podemos esquecer tudo isso e assistir os filmes gratuitos no Cine Brasília ou pegar o ônibus de graça pro CCBB e ver qualquer exposição que lá esteja. Ou ainda podemos ver o pôr-do-sol na Ermida (o ruim é chegar lá de ônibus) e se deslumbrar com esse céu maravilhoso. Depois a gente passa na rodoviária do Plano Piloto e come um pastel na Viçosa. Aproveita e passa na farmácia e compra um sal de fruta e vai dar uma olhada nos produtos dos ambulantes. Tem uns hippies artistas que de vez em quando pintam em frente do Conjunto Nacional. Depois a gente arruma grana, pega um táxi e vai pro Cine Academia ver algum filme alemão ou iraniano.

Seria legal.

E assim, imaginando, te encontro por essas bandas daqui, mesmo você estando nas bandas daí.

Mas cá eu, aprendendo a ser melhor e tentando sanar as dores, trabalhando despreocupadamente e esperando a UnB sair da greve. Pensando nas filosofias. Amando os amigos. Torcendo por dias melhores. Ruminando as dúvidas.

Fico imaginando como você anda e logo penso: com as pernas, é claro! E aí sorrio e penso na beleza charmosa do olhar oblíquo e no sorriso seu aberto e delicioso. Aí agradeço a Deus por ter criado os seres e busco no coração a oração mais apropriada.

Ahôôô! Ê trem bão divino!

Somos pequenos cristais vibrando as energias do espírito! Alegria e tristeza em doses individuais! Mensageiros do amor e guerreiros do bem!

Ahôôô!

É bom viver

Também é bom.

Ensinamentos que nos trarão tesouro,

Essa vida.




in.: cartas p/ vivi