segunda-feira, 6 de abril de 2009

a tristeza

Hoje estou triste. A melancolia de todos os meus ancestrais reúne-se nessa noite para tomar-me por completo. Percebo-me como nunca antes: sou temor e resignação, sou rendição, sou lágrima. Sem motivo aparente, mergulho em sensações tenebrosas, desenho no livro de minha vida o símbolo da derrota: gemidos de traços trêmulos, corações expostos, desesperança aglutinante de todos os males. Eis-me no hoje triste. Estou desistente, chorosa. Não creio mais nem na palavra: morro no ponto final.
Ah! O que acontece é que não me encaixo na dinâmica exasperante do mundo e então ela me sufoca e eu quero que tudo desapareça. Tenho vergonha da máscara social que uso mas mesmo assim não tenho condições de outra usar. Isolo-me cada vez mais, pois as pessoas me acuam, suas palavras são como monstros que me envolvem ameaçadores, seus olhares são dardos alvejados contra minha frágil configuração: sou a estranha dos dedos de contorcionista, a doidona da risada escandalosa, a moça de quem não sabem o nome. Sou o ápice do uncool, o apogeu do mal-gosto estilístico, o vértice da sem-gracice. Sou a pessoa que se esconde atrás dos estereótipos mas que os carrega como armaduras incômodas, uniformes sem brilho. Sou isso, sou aquilo, e sigo só e sem nome de renome, sem estrela na calçada, sem outdoor de promoção. A ordinariedade me trespassa, ardo de rancor para comigo mesma, carrego anos de decepções amorosas e séculos intermináveis de solidão. Revolto-me mais uma vez contra a dinâmica do mundo e do meu rosto descem lágrimas e gritos de desespero: tudo é em vão para mim, mesmo não o sendo para o tudo! Minha vida, peça dolorida no tabuleiro imaginário do jogo que deus joga com o diabo.
Ah! Tudo queima, arde como sal na ferida, rasga como hemorróidas lambuzadas de bosta, tudo fede e machuca como as palavras dos inimigos, tudo aponta e acusa como as mãos dos judeus que mataram o Cristo, tudo anseia eternidades e chora pecados... Tudo me magoa e é minha própria mão que balança o ritmo dessas palavras de fel que querem ser expiação pois é só isto que resta: entôo cânticos de maldições infindas e meu suspiro espera a morte. Tudo é dor dentro do meu eu em pedaços, dilacerado por uma existência de conflitos internos impronunciáveis e de desarranjos sociais notáveis a olho nu. Choro minha singularidade que revela não só a mim, mas ao eu de todos aqueles que viveram a oportunidade desesperadora de um mundo onde os deuses nascem mortos e os anjos não existem. Sou a lágrima derradeira de um sonho-pesadelo: meu reflexo no espelho.


In.: Carta para Amarante

2 comentários:

anne fab disse...

pois é...
ao que me parece andou visitando meus sonhos e meu dia a dia.

treta disse...

os sonhos são propriedade coletiva...