quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Emparelhado à Brasília verde e amarela

Depois de um tempo em Brasília
talvez você pudesse compreender que as melhores
lembranças estão em carros velhos.

Mas por certo você compreende
A benção de uma chuva;
E o quanto a mesma chuva pode ser um motivo
Para imprecações até mesmo amaldiçoadas,
A desgraça filha do cão
Nas barras molhadas das calças na repartição.

Você aprende que em Brasília
As ruas praticamente não têm nomes
E as esquinas são obras do imaginário.

Após um certo tempo você acredita decerto
Que o Gama é logo ali
E que o Novo Gama já é Goiás.

E você percebe que nessa Brasília código
Poucas letras e alguns números te levam a qualquer lugar
Do mundo.

E às vezes você se indigna
Porque o metrô não funciona em sábados, domingos e feriados.

E você institui em ato ordinário
Que o magnetismo da cidade
Concentra seu pólo positivo no verde das árvores
E seu polo negativo na região do Conic
Ato homologado nos seus diários oficiais.

Você começa então, após um determinado tempo,
A dar valor de cifras generosas
À propriedade do lar doce lar
Casa própria com escritura lavrada.

E, na capital dos poderes três,
Terciários sem carteira,
Ternos e gravatas,
Igrejas,
Faculdades
E salões de beleza
Você vê nas sátiras imaginárias
De cada esquina.

A cidade jaz vivendo solitária
Nos eus fantasmas de cada cargo comissionado.

A cidade única vivendo dura
Nos monumentos de concreto branco.

(Lembre-se sempre que não importa o quanto a coisa cresça, ela nunca será plenamente satisfatória.)

Então não se espanta você
Ao ver que o Eixo Monumental
Com suas seis pistas em cada mão
Não pode evitar os engarrafamentos
Dos arredores da rodoviária.

O Lago Paranoá,
Sagrado nos dias de Julho.


E então, depois de mais um tempo,
Certo ou incerto,
Você descobre que há tradição
Na Esplanada dos Ministérios
Na Pizza Dom Bosco,
Nos pontos de ônibus
E até mesmo nas cadeiras e copos do Beirute.

E em Brasília você pode também,
Quase como milagrosamente,
Achar alegria.
Como no foguete parquinho do Parque da Cidade
Ou como nos bancos daquele fusca
Que passeia humilde pela L2 Norte
Sentido
Futuro.

Nenhum comentário: