domingo, 3 de junho de 2012

O Progresso da Desordem ou a Herança do Colonizador


Eu sou o jovem viciado em heroína
Que pelas ruas de Oslo vive
Em busca do próximo tiro.
Eu tenho no olhos o horror nativo
De ter crescido sozinho na selva
De mim mesmo.
É esse o contexto:
Ando pelos parques e pelas ruas
Que falam norueguês
E tudo que me preenche
É a busca pelo próximo tiro.
Estou magro porém não rendido.
Estou viciado mas não morto.
Carrego meu corpo por ruas que nunca vi
E azulo meus olhos nos azulejos
Tristeza cinzenta no inverno que chega.
A heroína nauseabunda!
Essa Europa que me habita
A jovem portuguesa que abre as
Pernas para o inglês traiçoeiro
Que come francesas na ceia.
Eu sou essa holandesa
E sou essa patética Finlândia
Onde o fim nasceu e cresceu.
Eu sou esse antigo espírito viking empreendedor
Que lapidou a África
E derramou sangue
Nos desertos e sertões.
Que moveu os Lusíadas pela mão de Camões
Que exaltou Aquiles
Que matou milhões
Que lotou naus e que enganou
Em escandalosas proporções.
Eu sou a dor dos índios
E o choro das índias
Na terra amada
Que me abraçou
E que eu traí.
Vera Cruz que construí,
Judas que sou,
Em ti meu sangue germinou, Brasil.
Nasceu poemas nas caatingas
E canções habitaram os pampas.
As motoserras rugiram na mata.
No final daquele século,
Vieram as máquinas escravizar os trabalhadores.
Um século depois, ainda reinavam os coronéis
Que herdaram meu patriarcado: triste quinhão de brasileiro.
Eu sou a herança vergonhosa do colonizador ignorante.
Perdido, sou apenas um viciado
A procura do próximo tiro
Pelas ruas de heroína
Esperando a próxima Oslo.

A europa fragmentou-se
No meu progresso da desordem

in.: os cadernos p/ mim mesma
maio/2012

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