“(...) O indivíduo,
que tinha se colocado no caminho de Sam de maneira nada convencional, vestia
roupa de corte sóbrio, com uma capa antiga sobre os ombros e um chapéu mole e
escuro sobre os cabelos brancos. Sorriu a Sammuel Shay com aparente inocência e
falou com voz suave e amistosa:
- Boa-noite,
Sam – disse como alguém que se dirigisse a um conhecido que não via há muito
tempo – Aposto que você não sabe quem eu sou.
Mas Sam Shayy,
com a mão direita segurando a forte bengala de espinheiro com que sempre
andava, não ia cair na armadilha. Tinha visto a sombra de um carvalho
transformar-se num homem, e isto, para dizer o mínimo, era inusitado.
- Ora! –
proclamou ousadamente – Tenho cem dólares no bolso, e aposto, contra um só, que
você é Satã.
Satã – porque a intuição
de Sam não lhe tinha falhado – mostrou uma expressão de desprazer ao usar a
feição bondosa que tinha assumido para aquela visita. É que ele também tinha
ouvido o que Shannon Malloy dissera a Sam – que ele podia fazer três apostas
com o Diabo e ganhar todas elas. E com a curiosidade despertada, o Diabo viera
para testar a habilidade de Sam, porque ele mesmo gostava de jogar, apesar de
ser mau perdedor.
A expressão,
porém, desapareceu num instante, e o sorriso gentil voltou: o velho cavalheiro
enfiou a mão debaixo da capa e tirou uma carteira que estava agradavelmente
recheada, embora fosse de um couro cuja aparência Sam não apreciava.
- Pode ser,
Sam – Satã replicou jovialmente. – E se sou, devo-lhe um dólar. Mas tenho aqui
mais cem que dizem que você não pode provar isso.
E esperou
muito contente, porque esta era uma aposta que tinha deixado perplexos muitos
filósofos eminentes em séculos passados. Mas Sam Shay era um homem de ação, não
de palavras.
- Está feito –
concordou imediatamente, e ergueu o bastão de espinheiro acima da cabeça – Eu simplesmente
lhe baterei na cachola, uma ou duas vezes. Se você for um cidadão honesto,
ficarei com sua carteira, e se você for Satã, ganharei a aposta. Você não
poderia deixar um homem mortal dar-lhe uma surra e ainda olhar-se no olho – uma
realização bem caracteristicamente sua. Logo...
E Sam deu-lhe
uma porretada tão forte que sibilou.
Uma chama
sulfurosa estalou do cerne do carvalho, e a bengala de espinheiro fragmentou-se em milhares de pedaços que voaram
silvando pelo ar afora. Sam sentiu uma dor forte braço acima, um formigamento,
uma sensação de amortecimento, que se estendia para o ombro. Mas, esfregando o
pulso, ficou muito satisfeito.
Mas Satã não
estava. Em sua raiva, o pequeno velho cavalheiro tinha dado um pulo, até pairar
quatro metros acima, e agora parecia muito mais terrificante do que benigno.
- Você ganhou,
Sam Shay – disse-lhe Satã acrimoniosamente. – Mas ainda há uma terceira aposta
a ser feita. Sam sabia que isso era verdade, poque somente numa ocasião dessas é
que o diabo se mostrava a um mortal, o infeliz que precisava ganhar três
apostas dele, para livrar-se de sua influência. – E desta vez, vamos aumentar a
aposta. A sua alma contra o conteúdo desta carteira, como você não pode ganhar de
mim novamente.
Sam não
hesitou. Tinha de apostar, quisesse ou não.
- Feito –
respondeu. – Mas eu preciso dizer qual é a aposta, já que você disse quais eram
as outras. É a minha vez agora.
Foi Satã quem
hesitou, mas o direito e a lógica estavam com Sam. Por isso, assentiu:
- Então diga
qual é – ordenou, e sua voz era como o troar de um trovão, além do horizonte.
- Ora, veja só
– disse Sam com um sorriso impudente – Estou apostando que você não tem a
intenção de que eu ganhe esta aposta. (...)
in.: Satã e Sam Shay