“Eu acho que deus não terminou de criar o universo
Porque o universo não tem fim
E deus ainda está criando novas coisas”
(“Toque de criança" – Casa Redonda – Carapicuíba - SP)
as divagações epistolares de uma trotamundus sem peias
“Eu acho que deus não terminou de criar o universo
Porque o universo não tem fim
E deus ainda está criando novas coisas”
(“Toque de criança" – Casa Redonda – Carapicuíba - SP)
Venho dizer que sou uma farsa que persiste adiante criando mundos. É uma tarde triste, uma garota dobra barquinhos de papel para jogá-los da janela do oitavo andar. Os rios secaram, a criança é presa de seus próprios desejos. Barcos de papel não voam, a garota me chama com sua voz de mármore sonoro. Ela é mais alta que eu, ela tem um balançar mais feminino. Mas ela não sabe, não sabe que o papel é dúbio, os rios secaram, é inútil debater-se pois os barcos não alcançarão os portos.
Mas a garota me chama, ela é sonora, sua voz me perfura. Não sei o seu nome mas vislumbro o papel que ela encena: está desejosa, me acena carinhos, tenta soprar meu suor. O papel ela dobra em barco e me lança através da janela. Ela quer beijar mas, muito mais, ela quer falar para se mostrar máscara, ela vem dividir a farsa comigo que aceito passiva sua intervenção dobrada em silêncio.
Mais um dia trespassado por entre meus átomos, esse dobrar de ângulos e papéis que é o tempo nos abocanhando e mastigando e cuspindo fora para abocanhar de novo num movimento acelerado que aponta para o apagamento de sermos finalmente engolidos e passarmos ao interior da escuridão do tempo que nos toma de cabo a rabo.
Estou abestalhada. E não sei se sou eu ou é o mundo, pois tudo se confunde. Estou abelhas.
A besta existe, tem chifres espiralados e lúgubres, e um sorriso escancarado, ela existe e tem olhos vermelhos e ela sai voando com rabinhos de capeta a balançarem no traseiro empinado, numa dança de cadeiras atrevidas e zombeteiras.
Estou abestalhada. Abelhas e bestas me invadem.
In: Cartas Para O Menino Meu